terça-feira, fevereiro 28, 2006

Monopólio e concorrência

Vou usar a deixa do Dorean para dissertar longamente sobre a propriedade das empresas de energia, telecomunicações e transportes públicos.

Começo por dizer que as estratégias dos governos Francês e Italiano não vão em defesa do capitalismo. Vão em defesa do interesse nacional, que cada vez mais frequentemente colide com os interesses de grupos privados. Se o consumidor beneficia ou não, está para se ver.

Por questões de equilíbrio saudável do poder, eu defendo que os sectores estruturalmente monopolistas estão mais bem entregues nas mãos do estado do que nas mãos de privados.

O que eu quero dizer com isto é que há empresas que operam infrastruturas ( activos imobilizados, penso eu ) que:

1. Exigiram um investimento caríssimo, que nunca teria sido efectuado por um privado.

2. Devido ao valor desse investimento, tais infraestruturas dificilmente são replicadas por empresas concorrentes e na práctica nunca o são.

Estas empresas têm sempre uma vantagem competitiva sobre as empresas concorrentes, mesmo que o estado as obrigue a alugar as suas infraestruturas a preços justos.

Têm essa vantagem devido ao conhecimento técnico que têm sobre a natureza dessas redes e à inerente capacidade que têm de antecipar as inovações na infraestrutura e respectivas consequências.

Por outro lado, mesmo que as concorrentes desenvolvam essa capacidade de inovação, na prática as detentoras da infraestrutura poderão sempre rapidamente lançar serviços concorrentes, ao mesmo tempo que atrapalham as outras empresas. Em teoria a supervisão do estado evita estas situações. Na práctica isso nunca acontece e não vai acontecer no futuro.

Os sectores paradigmáticos desta realidade são a electricidade, as telecomunicações de rede fixa, a rede ferroviária e a rede de autoestradas.

Ou seja, estou a falar, em Portugal, da EDP, da PT Comunicações, da Refer e da Brisa.

Na práctica, a privatização destas empresas prefigura situações de monopólio de facto, mais ou menos regulado pelo estado, em que as empresas cobram um valor aceitável ( para o consumidor ) pela utilização da infraestrutura. Este valor é normalmente suficiente para terem grandes lucros e um grande cash flow mas não é o suficiente para investirem na infraestrutura.

É apenas natural, por isso, que o estado intervenha na gestão dessas empresas. O que já não é tão natural é que estas empresas estejam cotadas em bolsa e que se finja que existe realmente um mercado livre nestes sectores.

É importante também dizer que um desinvestimento do estado nestes sectores quase de certeza levaria a uma inexorável deterioração da infrastrutura e do correspondente serviço ao consumidor.

Um caso práctico ( case study? ) é o da privatização das telecomunicações. Hoje em dia a Europa é líder nesta área, quando comparada com os EEUU. Os EEUU fizeram a liberalização 10 anos antes da Europa e o estado deixou de investir na rede fixa de comunicações. O resultado é que esta se deteriorou consideravelmente nas regiões com menor densidade populacional e com menor incentivo económico para o investimento. Por causa disso perderam a liderança no sector do equipamento, muito por causa dos seus clientes não investirem suficientemente na rede fixa e em novos serviços. Na verdade alguns operadores apresentavam insuficiências graves até em áreas básicas como a capacidade de facturar correctamente os clientes.

É verdade que as comunicações sem fio, incluindo as comunicações por satélite, vieram compensar estas faltas. O sector das telecomunicações tem evoluído muito depressa e a concorrência no futuro será entre operadores de vários tipos de acesso diferentes e a vantagem estará no tipo de serviços que poderão oferecer e a sua respectiva integração ( base IP com voz, internet e televisão interactiva ). Isto significa que a rede fixa da PT Comunicações vai concorrer num futuro próximo com a rede da NetCabo e com os serviços da Airtelecom, por exemplo.

Esta realidade permite ter esperança num serviço melhorado ao consumidor. Mas é preciso ser cauteloso. Afinal, temos três operadores de comunicações móveis e nem por isso a concorrência ( teórica ) faz diminuir o preço das chamadas ou melhorar o serviço de atendimento aos clientes. A perspectiva de fusão da Optimus e da TMN não parece ser de bom agoiro para os consumidores.

Mas esta nova realidade limita-se às telecomunicações.

Na Electricidade, por exemplo, não existe nenhum substituto razoável a não ser que se considere que viver sem luz é uma alternativa razoável.

O gás de cidade também não tem nenhuma alternativa confortável.

O transporte ferroviário compete com o rodoviário mas, para além de levarem de A a B, oferecem serviços de características muito diferentes sendo que os operadores rodoviários, por enquanto, não têm de pagar as estradas, embora paguem as autoestradas. O primeiro ministro Português ainda não pode apresentar as mesmas queixas que D. João II.

Para além disso, todas estas infraestruturas, pagas com o meu dinheiro para lucro dos privados, são pontos vitais para o normal funcionamento do país. Quem os controlar adquire um grande poder. Basta olhar para a negligência com que a PT geriu o caso do fornecimento aos tribunais das chamadas do cliente estado. Mas pode-se também pensar nas consequências de uma hipotética interrupção do fornecimento do gás natural.

No capitalismo triunfante todas estas empresas serão privadas e os seus proprietários tirarão todo o partido que entenderem do poder investido em suas mãos. O consumidor irá inevitavelmente sofrer a má qualidade do serviço, como o passado demonstrou em ocasiões semelhantes. No caso das telecomunicações poderá sofrer intrusões na sua privacidade ( pode sempre usar pombos correio e tambores, claro ).

Eu sou forçado a ser accionista do estado. Por muito pouco que o estado me levasse, eu terei sempre maiores interesses no estado do que em qualquer das empresas referidas. Vivo do meu trabalho e não conto ser rico.

Como não sou mesquinho nem nasci para lacaio não me vou deixar entusiasmar com as mais valiazecas que me poderia trazer a venda de meia dúzia de acções da PT.

Para além disso, o estado outorga-me uma carta de direitos ( a constituição ) que nenhuma empresa alguma vez outorgará ( se eu fosse muito rico poderia fazer o que quisesse, inclusivamente ignorar as regras do estado mas isso é para o próximo carnaval ).

Um estado fraco deixará de poder garantir esses direitos.

Eu prefiro um estado forte. O nosso já não existe. O Francês e o Italiano ainda sobrevivem, sabe-se lá por quanto tempo mais.

Mas há um que está viçoso, mesmo sem outorgar o que quer que seja: o Chinês.

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