quinta-feira, abril 27, 2006

Acabou-se-me a pachorra para...

... restaurantes com "cozinha de fusão".

A imaginação daquela gente não tem limites: memorizaram os dois pratos que passaram a vida a comer nos bons tempos de Corfú e juntaram-lhe curgetes e cerveja belga. Abrem portas em antigas tascas de zona histórica e descaracterizam-nas à moda "mediterrânica".

A lista é igual em todos os estabelecimentos e é independente das variadas nacionalidades dos proprietários (embora os nórdicos ainda tenham desculpa, por razões óbvias): curgetes salteadas com cús-cús e salada de curgetes com feta e húmos. Também há "pastas" e "risotos" com molho de leffe e as azeitonas são intragáveis.

Se lhes dessem um telecomando para as as mãos, o serviço de mesa era igual ao de um pizza hut com velas.

A primeira ironia é que tanto o pessoal da casa como os clientes, apesar da clonagem, são aquele tipo de rapaziada sempre pronta para vociferar contra a globalização e o fast food.
A segunda é que os odiados burgessos da Bica do Sapato estarão talvez à mesma hora a mascar as mesmas nhanhas, partilhando sem dúvida da mesma vertigem "cosmopolita".

Blhegue.

segunda-feira, abril 24, 2006

Os Sulitários

A Fundação Alentejo-Terra Mãe

tem o prazer de convidar V. Exª para a apresentação do livro

OS SULITÁRIOS

de
JOÃO FRANCISCO VILHENA | PAULO BARRIGA

7 DE MAIO, 16H00
SALÃO DE EXPOSIÇÕES
FUNDAÇÃO ALENTEJO-TERRA MÃE
RUA DOS PENEDOS, Nº13-B, ÉVORA

Apresentação por
António Mega Ferreira

a inauguração da exposição de fotografia "Os Sulitários"
conta com a actuação do Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento.
Na ocasião, será servido um "Alentejo de Honra".

800 milhões de libras



É o valor extra necessário este ano para manter a presença militar britânica no Iraque.
É também o tamanho do buraco orçamental do National Health Service.

sexta-feira, abril 21, 2006

Influenza, o estado da nossa ignorância


O Diário de Notícias alertou-nos na sexta-feira para o facto de Portugal ser "o país menos preparado" para a grande praga que está aí a rebentar, não tarda nada.

O Público, por seu turno, e no mesmo dia, volta a anunciar que a "pandemia é inevitável", fazendo o favor de se apoiar num artigo da revista Science que não traz menção a nenhuma inevitabilidade.

O que parece realmente inevitável no pânico mediático é referência constante aos antivirais, Tamiflu (Roche) e Relenza (GlaxoSmithKline), esses dois únicos medicamentos comprovadamente miraculosos na cura de qualquer gripe das galinhas e dos pintassilgos.

O que já parece pouco interessante realçar são os factos de uma infecção [ainda?] sem transmissão humana: em 3 anos de liberdade, este vírus megalómano já conseguiu infectar, a partir dos frangos, um número absolutamente assustador de 194 vítimas humanas a nível mundial (quase duzentas!), das quais morreram, vejam bem, pouco menos de metade.

Há aqui um divórcio nítido entre o que está escrito na imprensa científica e o frete que os jornalistas em questão acabaram por fazer às companhias farmacêuticas. Na melhor das hipóteses, os senhores que trabalham nos média não sabem ler em inglês. Na pior, são papagaios que se limitam a repetir o dogma da pandemia, no absoluto desrespeito por um público que, muitas vezes, deles depende para a compreensão de assuntos complexos.

Para quem quiser saber mais, transcrevo aqui a introdução à célebre edição especial de 21 de Abril da citada Science, apropriadamente intitulada "Influenza, o estado da nossa ignorância" (texto integral em Vol. 312. no. 5772, p. 379):

"Introduction to special issue

Influenza: The State of Our Ignorance
Caroline Ash and Leslie Roberts

The startling spread of H5N1 across much of the globe highlights our vulnerability to the emergence of novel subtypes of influenza virus. Yet despite our fears of pandemic human disease, H5N1 is primarily a disease of birds. Olsen and colleagues (p. 384) outline the unseen network of influenza among migratory birds that spans Earth. H5N1 has engendered alarm not only because it is unusually virulent, laying waste to poultry and causing severe economic losses for farmers, but also because it can, with some difficulty, infect humans and other mammals. So far, the virus has killed more than half of the nearly 200 people known to have been infected. Kuiken and colleagues (p. 394) explore the routes through the obstacles to interspecies transmission (the host species barrier) of viruses. Their analysis focuses on which adaptations are needed to facilitate bird-to-human transfer of H5N1. Examples are provided by Shinya* and in a Brevia by van Riel et al. (p. 399). These authors show that the virus preferentially binds to cell types bearing specific surface receptors found deep in the lungs, which may partly explain its poor human-to-human transmissibility. (...)"

quinta-feira, abril 20, 2006

Pandemanias



Escreveu Pedro Rolo Duarte esta semana: “Apesar das polémicas em que se envolveu nos últimos anos, Clara é reconhecidamente uma cientista de mérito, professora universitária, e tem um extenso trabalho desenvolvido em Portugal e nos Estados Unidos.”

Procurei no PubMed.
A última vez que Pinto-Correia C publicou foi na Perspectives in Biology and Medicine, em 1999 e chamava-se o artigo “Strange tales of small men: homunculi in reproduction”. Antes disso, dez artigos espalhados em revistas igualmente obscuras e, na maior parte dos casos, especializadas na área de interesse da bióloga e escritora, a espermatogénese.

Lá que a senhora tem o dom do mediatismo, ninguém o nega. Que será o supra-sumo das ciência biológicas em Portugal, já não se poderá garantir. Mas para o que é, pouco interessa.

O que tem realmente interesse nesta história é o facto de alguém, que apesar de tudo provém do meio académico, neste país de ignorantes e hipocondríacos ter levantado a dúvida quanto às razões que poderiam assistir à constante publicitação de novas patologias pandémicas e à forma como as medidas com que se as combatem são apresentadas à opinião pública.

Como foi dali que apropriadamente veio a lebre, vamos aos Estados Unidos e à gripe.

O Departament of Health and Human Services, DHHS, leva a cabo desde os anos oitenta uma campanha permanente de intimidação do público norte-americano com vista a promover as vacinas e o consumo de medicamentos contra a gripe.
Digo "intimidação" porque que se trata do uso consciente de informações falsas por parte de uma entidade federal com o objectivo de condicionar o comportamento e os hábitos de consumo dos cidadãos através do medo.

No sítio do Centers for Disease Control and Prevention escreve-se que 200.000 americanos são internados nos hospitais "por complicações associadas à gripe". O que o dito departamento não diz é que, em mais de oitenta por cento dos casos, os tais internamentos se referem a idosos ou a enfermos cujo estado de debilitação foi provocado por outras doenças.

Mas a pior mentira oferecida à opinião pública norte-americana é a de que 36.000 seus compatriotas morreriam todos os anos "por causa da gripe". De facto, e em muitas ocasiões até já ouvi este dado precedido da frase "a gripe e a pneumonia são a sétima causa de morte [prematura?] nos Estados Unidos". Acontece que, mais uma vez, aquele departamento de estado joga uma falácia: das mais de trinta mil mortes apontadas só 1200 poderiam atribuídas à infecção por influenza; o restante número reporta-se à pneumonia clássica.

Agora atente-se à política de vacinação recomendada pelo DHHS: até Outubro de 2005 estavam definidos grupos de risco (segundo metodologia clássica, e.g., a partir dos 65, doentes crónicos, bébés, et c.), os quais deveria ser vacinados contra o influenza; mas a partir daquela data, TODA a população deverá vacinar-se.

Mas no fim das contas, o secretário de defesa americano D. Rumsfeld detém ou não parte, ou todo, da empresa que produz o fantástico "tamiflu"? E ainda que assim seja, essa panacéia é eficaz?
As respostas são "Não sei" e "Até é capaz de ser".
Agora se será necessário tomar estas vacinas e medicamentos por causa das gripes que matam meio-mundo e arredores, isso já outra história.

domingo, abril 16, 2006

O estranho caso dos bébés desaparecidos



António Bagão Félix achou que hoje seria um bom dia para comentar as recentes alterações às disposições do registo civil de nascimentos em Espanha e que passam a designar "pai" e "mãe", respectivamente, "progenitor A e B".

A partir daí, o economista alarga a crítica moral a todos os domínios onde julga que o seu modelo de Família corre perigo lançando um ataque que presumo "preemptivo" (1) contra futuras réplicas nacionais de uma legislação espanhola a qual, por fatalismo, gostamos de prevêr sempre mais avançada: "Imagino já (...) as barrigas de aluguer, a criação de embriões excedentários, a fecundação heteróloga ou até a inseminação post mortem, (...)"
(2).

Acredito que haverá muita gente em Portugal que concordará com a análise medieval do sr. Félix; a maioria da nossa população não beneficiou, tal como ele, de uma boa formação científica e olha para as práticas médicas actuais com a paranóia do aldeão de antanho que apanhava um alquímico em plena laboração.

Mas ao querer fazer uso dos nossos medos primários, o sr. Félix, conscientemente ou não, debita um apocalipse errado: em particular, os embriões excedentários são elemento de redundância no procedimento de fecundação assistida e, como tal, contribuição indispensável para que aquele seja bem sucedido.

Aquilo que se deveria temer seria a perda de controlo civil sobre essa (e outras) prática médica, algo que só será possível se persistirmos em considerar qualquer tribuno com aspirações mais ou menos moralistas como oráculo de um conhecimento o qual, por ser demasiado complexo, exige maior preparação que aquela que satisfaz as necessidades políticas do mesmo.

Ironicamente, o descontrolo que levaria à "produção" de embriões com fins comerciais seria mais facilmente atingido no paraíso capitalista com o qual alguns amigos do sr. Félix sonham. Mas daí não parece o ex-governante compreender haver motivo para medo.

_____________________________________________________
(1) Também já eu me vou preparando para a utilização "maciça" deste termo nos nossos "mídias".
(2) DN, 16IV06

ilustração de Séverine Assous, da Illustrissimo

quinta-feira, abril 13, 2006

Adendas da guerra ao terrorismo


Em 1971, os países-membro da Organização de Produtores e Exportadores de Petróleo, OPEP, decidiram que todas as transacções de petróleo e derivados seriam a partir dali feitas exclusivamente em dólares americanos, USD.

Para os Estados Unidos, isto representou um excelente negócio pois, ao obrigar todo e qualquer país a comprar grandes quantidades da moeda americana por forma a satisfazer as suas necessidades petrolíferas, aumentava grandemente o valor cambial do dólar sem nenhum esforço por parte do governo ou da economia americanos. Estava criado o "petrodólar".

Fosse esta a única consequência, isto é, o aumento artificial do poder económico dos E.U.A., e talvez até nem tivesse trazido mal maior ao mundo; o problema só se torna realmente sério porque, para satisfazer esta nova necessidade de divisas, o banco central americano teve, de facto, de emitir mais moeda.

Agora imaginemos o seguinte: uma pessoa sem dinheiro mas com fama resolve passar cheques ao desbarato, comprando bens e serviços em troca de um pedaço de papel que só tem valor porque quem lhe fornece os bens ou serviços acredita que esse papel, vindo de quem vem, pode ser guardado como futura moeda de troca.
Que sucede se os fornecedores mudam de idéias e resolvem levantar todos esses cheques ao mesmo tempo?

Vejamos.
Após a primeira guerra do golfo, a partir de 1995, o Iraque foi obrigado pela O.N.U. a vender o seu petróleo por comida no valor de mais de USD$65 000 000 000 (sessenta mil milhões de dólares) Oil-for-Food Programme, resolução do conselho de segurança 986; é no mínimo compreensível que o governo iraquiano achasse que estaria a favorecer demasiado o seu inimigo e vencedor.
Daí que em 2000, Saddam anunciasse unilateralmente a decisão de passar a avaliar o seu petróleo em... Euros.
Era o fim do "petrodólar". Em 1999, 1 Euro valia 0.8 USD. Em 2001, com um euro já se podia comprar 1 dólar e meio.

Voltando à metáfora, esta parecia ser uma boa altura para o fornecedor ir levantar os cheques... Só que, sabemos nós, o dinheiro nunca existiu.
No caso de um cidadão comum, seria caso para declarar bancarrota e talvez passar uns anos na cadeia; no caso dos Estados Unidos, foi razão mais que suficiente para encontrar ligações à al-Qaeda e armas de destruição massiva no país do atrevido.

Por fim, a pergunta: que outros dois países anunciaram na mesma altura a intenção de passar a negociar petróleo em Euros?
Precisamente o Irão, a Coreia do Norte e a Venezuela.

quarta-feira, abril 12, 2006

Ele há fumo sem fogo


Quando cheguei finalmente a Munique era tarde e estava absolutamente esfomeado. Apesar da hora, o meu anfitrião ainda teve a paciência de me levar a um restaurante nas traseiras do Englischer Garten. Enquanto esperava pela comida hesitei em acender um cigarro, assim mesmo, por instinto. Só depois reparei que nas três salas daquela extensa Gasthaus se fumava em todo o lado.
Ri-me da minha retenção. Contei então ao meu amigo que, ainda na véspera, tinham aprovado em Portugal uma lei que proibia o fumo em locais públicos e como agora os média estavam inundados de preocupações bem-pensantes e conselhos de gente séria.
"Ah sim, aqui também há essa lei", disse-me, "mas não lhe damos importância nenhuma". Todos quantos à nossa volta ouviram a conversa, clientes e empregados, olharam para mim e soltaram uma mui saudável gargalhada.

Ainda estou para perceber porque dizem que os alemães não têm sentido de humor.

terça-feira, abril 11, 2006

Dada

"NOW, THEREFORE, I, Dennis Highberger, Mayor of the City of Lawrence, Kansas, do hereby proclaim the days of February 4, March 28, April 1, July 15, August 2, August 7, August 16, August 26, September 18, September 22, October 1, October 17, and October 26, 2006, as 'International Dadaism Month.' "

Texto integral na Harper's de Março.

sexta-feira, abril 07, 2006

O Fim-do-mundo



A SIC comprou o programa de Jamie Oliver, um jeitoso do esparguete que só é notável por ser inglês e cozinheiro ao mesmo tempo.

Os senhores que governam, e com o pretexto mais bovino de toda a legislatura, acabam irresponsavelmente de nos dissolver o velho casamento do café com o cigarro e destruir uma cultura social de séculos.

Mas aquilo que me deixa mesmo com a ira encalacrada nos fagotes e mostra a absoluta decadência dos finlandeses da nossa sociedade é o terem transformado a melhor água mineral do mundo numa mijordice amaricada "com sabores", mais própria para clubes de aeróbica de histéricas que para curar as minhas santas ressacas.

Isto está bonito, está.

quinta-feira, abril 06, 2006

Nostalgia...


... Do tempo em que se sabia escrever.

benficas, parte dia-seguinte

E eu não disse?

quarta-feira, abril 05, 2006

"Tragam as espanholas!"

Quem chega a Espanha pelo aeroporto de Málaga, e ainda antes de chegar à zona de bagagens, é imediatamente saudado por jovens sorridentes que lhe espetam nas mãos um panfleto de uma das muitas empresas imobiliárias inglesas que dominam aquele mercado. A saturação da oferta é evidente e, cá fora, a destruição ambiental também.

Após 15 anos de peculato, construção desenfreada, tráfico de influências e crimes ecológicos, o governo espanhol dissolveu finalmente a administração autárquica de Marbella por corrupção.
Foram presos 23 membros da autarquia, incluindo vereadores da oposição.

Por cá, nomes como Fátima Felgueiras e Isaltino Morais despertam a indignação de todos mas mantém-se impunes e no poder; no Algarve, dezenas de autarcas enriqueceram e destruiram a paisagem natural e urbana durante anos a fio sem nunca sofrerem quaisquer consequências.
E naquela que era até hoje uma das poucas regiões que havia sobrevivido à sanha dos patos-bravos, o Alentejo, prepara-se agora desafectação do litoral à reserva natural da costa vicentina para permitir a construção de milhares de fogos, centros comerciais e mamarrachos vários que, à imagem de Marberlla, aliciem a vinda de ainda mais hooligans em férias alcoólicas para o nosso país.

Sr.Primeiro-Ministro: e se, ao menos por um momento, fizesse jus às suas próprias palavras e trouxesse uns espanhóis ou espanholas que o ensinassem a vêr-se livre dos corruptos locais? É que, em questões de ambiente e planeamento urbano, o modelo finlandês talvez ainda esteja um bocadinho inalcançável.

benficas

"Basta empatar com golos!"
(título recolhido no Público online de hoje)

As equipas portuguesas não jogam para ganhar. Jogam porque tem de ser.
Sem dúvida, um exemplo do atavismo nacional no seu melhor.

terça-feira, abril 04, 2006

(G)RÊVE GÉNÉRALE

A Sorbonne fechou os seus portões após semanas de protestos que resultaram em danos à universidade avaliados em 1 milhão de euros.

Furioso, o seu presidente chamou aos estudantes que se manifestam contra o Contrat Première Embauche, CPE, "estúpidos e ignorantes". Justificando-se, Jean-Robert Pitte disse que os jovens franceses de agora não tinham sonhos mas ilusões: "sonhar é querer cumprir um objectivo difícil, é tentar vencer um desafio. Estes estudantes acreditam que têm direito inerente a tudo e se as coisas não lhes correm de feição então acham que a culpa só pode ser dos outros."

"Correr-lhes de feição" ali, significa a garantia de um emprego no fim do curso, por menor que seja a relevância dos currículos para o mercado de trabalho.

Tal como em França, todos os anos milhares de portugueses ingressam em licenciaturas estéreis, tendo sido a criação de muitas um efeito secundário da lei da autonomia universitária. Mas ao contrário dos seus colegas franceses, durante longuíssimos cinco anos a grande maioria destas cabeças não perderá muito tempo com detalhes destes. Ser estudante universitário é, antes de mais, um estatuto e porquanto os seus detentores consideram-se acima da coisa mundana (excepção feita para quem está em cursos de cariz pedagógico, naturalmente). (1)

Mas este estado transitório de elitismo não é a única causa da despreocupação. Apesar das semelhanças dos sistemas de ensino e de alguma mentalidade vigente há um outro factor em jogo que faz toda a diferença: a empregabilidade dos recém-licenciados.
Salvaguardas feitas, não é mais fácil encontrar empregadores em Portugal que em França mas aqui (como em boa parte do mundo), quando eles existem, dão preferência precisamente aos jovens: são mais entusiastas; mais adaptáveis; mais enérgicos; mais dispostos a sacrifícios; mais ambiciosos; mais baratos. E, sobretudo, mais fáceis de moldar na cultura da empresa.

Por que é que isto não acontece em França? A resposta não está directamente no desemprego juvenil mas naquilo que impede a sua diminuição: a inviolabilidade do emprego sénior que impede a abertura de vagas nos serviços público e promove a retracção na indústria.
A flexibilidade proposta por de Villepin para o despedimento de jovens trabalhadores vem tentar contornar as dificuldades de despedimento daqueles que já estão empregados há largos anos. Apesar das aparências, o CPE é uma medida que pretende ainda manter um sistema social que todos sabem ser insustentável mas que ninguém se atreve a destruir.

Para tanto, sacrificam quem cresceu pensando que também um dia teria acesso às mesmas garantias de emprego vitalício. Isto é, não se querendo correr o risco de provocar os privilegiados, ataca-se quem nada tem para defender com esperança que, entre mortos e feridos, alguns sobrevivam aos tais dois anos de provação (2).

__________________________
(1) Poderiamos dizer que em Portugal o sonho, se calhar por ser precoce, nem é um emprego. A ilusão começa logo findo o secundário como se pôde constatar com as manifestações que exigiam o fim da nota mínima de acesso à faculdade (!).

(2) Período agora reduzido a apenas um ano por proposta de Chirac, que é o mesmo que dizer "duas vezes o período normal de experimentação" durante o qual tanto empregador como empregado têm o direito de rescindir o contrato sem justa causa; dificilmente se compreende porque não foi imediatamente aceite...

domingo, abril 02, 2006

Onde é que eu já ouvi isto?


Castellamare del Golfo, Sicília.

São dez da manhã de um sábado de Julho, o sol já cresce em força mas ainda há tempo para a sombra de uma esplanada na pequena praça central. Ao lado da minha mesa, cinco "rapazes" de meia-idade discutem as novidades políticas dos seus jornais. Fazem-no acaloramente como todos os latinos, mas com os gestos e as vozes amaciados pela diplomacia própria dos ilhéus.
Às tantas, farto de tanta opinião, um levanta-se e diz: "Ehe! Temos mar, temos sol, boa comida, bom vinho, e [voz mais arrastada] belas mulheres!... Como haviamos de querer trabalhar?"
Todos se riem e se rendem à simplicidade do argumento. Depois, encostam-se às cadeiras em silêncio, olham para o horizonte e perdem-se por uns momentos na baía que dali se vê, com a sua água luminosa, o castelo amarelado que dá nome à vila, e o lá-vai-um preguiçoso dos barquitos que levam os turistas a conhecer as rochas da sua costa.

Onde é que eu já vi isto?

sábado, abril 01, 2006

"Guantánamo"

A que é que associam a palavra Guantánamo?

A opressão ( dupla, até ), ilegalidade, injustiça, arbitrariedade, tortura?

Pois bem, "Guantánamo" vai ser encerrada.

Mas os prisioneiros vão continuar prisioneiros, provavelmente dispersos pelas filiais que a CIA abriu em muitos países "amigos" cujas leis não obrigam ao respeito pelos direitos humanos.

Porque é que "Guantánamo" vai ser encerrada?

A que é que associam a palavra Guantánamo?

Nem de propósito!

Freitas, o gangmaster

Freitas voou para o Canadá para reclamar "justiça", exigir "explicações", contratar "advogados", et c., prometendo não se vir embora daquele país sem ter resolvido o assunto.

Depois de o conseguirem convencer de que os migrantes ilegais serão mesmo deportados, Freitas decidiu apelar ao instinto primário dos seus eleitores, insinuando que a administração canadiana teria sido menos exigente para com os espanhóis (e gregos, italianos, ...) na mesma situação.

Para cúmulo, e em desespero por argumentos que justificassem a sua posição, encontrou-se com empresários portugueses legais que lhe explicaram a dependência que os seus negócios tinham da mão-de-obra dos seus compatriotas ilegais.

Entradas de leão, saídas de sendeiro. Pelo caminho, um discurso hispanófobo para consumo interno e a mensagem de que o MNE aprova a exploração de trabalho ilegal noutros países.

Que será que os seus colegas da Administração Interna e do Trabalho e Segurança Social pensarão disto?

Armários, gavetas e etiquetas

É comum as pessoas correrem a classificar os outros quando ouvem destes uma opinião de que discordam.

Principalmente se essa opinião de alguma forma vai contra a ortodoxia do momento.

A etiquetação, engavetamento, ou arrumação, é uma forma de preguiça mental, que serve para afastarmos quaisquer dúvidas que a "heresia" faça surgir na nossa mente, de outra forma descansada e afastada de angústias existenciais, prejudiciais à saúde, nomeadamente ao coração e ao colesterol, para não falar das temidas depressões. ( Ai, as frases longas )

Ao etiquetarmos alguém, baseados numa ideia exposta, estamos, claro, a fazer uma generalização abusiva mas o principal efeito da etiquetação é a descredibilização do outro e a criação de um alvo fácil, que permite, a partir daí, a recusa de qualquer ideia proveniente da fonte etiquetada.

Independentemente da validade da ideia.

Quantas vezes não ouvimos frases como "Fulano diz isto mas ele é não sei o quê?" ( e não apenas no "Gato Fedorento" )?

Mas a eficácia da criação de "alvos" permitida pelo engavetamento não deve ser, de forma alguma, menosprezada.

No século XX, o engavetamento foi usado de forma contrária para criar formas de identificação com um grupo: os fascistas, nazis e comunistas foram especialistas nesta práctica.

Como se sabe, a coisa passou de moda e agora, grupos com intenções semelhantes usam a estratégia contrária.

Assim, fala-se dos "neo-conservadores" mas nenhum neo-conservador se admite como tal. A admissão do nome implicava a criação de um alvo e a própria organização da estrutura, como aliás, das modernas estruturas terroristas, não é rígida nem hierárquica mas funciona antes, em regime de "franchising", embora sem um nome associado, porque a intenção é, neste caso, dificultar o reconhecimento.

O franchising neo-conservador, que infiltrou ( tal como dos outros, Portugal não precisa destes submarinos que, ainda por cima, tal como os antigos, não submergem ), por exemplo, a comissão eleitoral de Aníbal Silva, ou o franchising da Al-Qaeda, são dois exemplos deste "pós-modernismo".

Por outro lado, vemos muita gente de esquerda a desistir de "salvar o mundo" mas a aceitar o engavetamento em "causas", a que eu chamarei "parciais", de melhoria da sociedade:

Protecção dos animais
Condição feminina
Amamentação natural
Direitos dos homossexuais, etc.
Outras "causas" e questões "fracturantes"

O poder, embevecido, agradece. Assim divididos, são mais fáceis de ser utilizados quando convém e dejectados quando não interessa.

Tudo isto passa essencialmente por um processo de simplificação da linguagem, suportado pelos media e baseado no declínio da popularidade da expressão escrita.

Houve um escritor do século XX que descreveu, com grande poder de antecipação, a eficácia deste processo : George Orwell, no seu "1984".

Um homem comum, como o etiquetou um dia, numa mistura de desdém e admiração, um simpático "facho" que anda por aí a escrever colunas em jornais e revistas em vez de administrar ( tachar ) as empresas da família.

Goddard seguiu Orwell, no seu "Farenheit 451".

Enfim, comida para pensar.

Serviço público de televisão

A RTP passou esta semana, a horas impróprias, é verdade, uma fantástica série de três episódios, baseada na trilogia "To the ends of the Earth", de William Golding.

Proclamo a série, produzida pela BBC, claro, como a melhor série que passou na televisão Portuguesa nos últimos dez anos.

Duas televisões de serviço público fizeram aquilo que só elas fazem: excelência absoluta, paga por todos, para benefício de quem quer, percebe, ou pode ( estar acordado até à uma da manhã ).

Ainda bem!

Bendito sono perdido.

Se sair o vídeo, avisem-me.