domingo, fevereiro 19, 2006

Classes de fumo


Quando, em Inglaterra, a maioria trabalhista aprovou no passado dia 14 a proibição de fumar em todos os espaços públicos e de trabalho fê-lo de forma a incluir um dos mais antigos bastiões da anarquia cavalheiresca: os clubes privados.

O clube privado nasceu da necessidade de um local de refúgio para determinados homens que mais não pretendiam senão colocar-se ao abrigo temporário das leis e costumes que a maioria ou a mulher lhes impunha.

Naturalmente fechado e elitista, o gentlemen's club tornou-se um espaço por excelência de crítica da sociedade que lá fora evoluia a passos largos em direcção a uma ordem cultural cada vez mais totalitária.

Símbolo dessa diferença, e por consequência da mesma, este era um espaço libertário no qual, conquanto não se infringissem as regras acordadas ou a boa educação, seria permitido conservar não só maus-hábitos pessoais como os velhos tiques sociais.
Mas a rebeldia é, infelizmente, considerada um privilégio ao alcance de poucos e o que é certo é que, com razão ou sem ela, os clubes foram sempre vistos pela restante sociedade como uma reserva da classes altas.

A proposta de lei anti-tabágica feita ao parlamento britânico pelo governo Labour começou por prevêr a salvaguarda dos clubes, os quais, tão somente por serem privados, haviam permanecido inatacáveis até então.
Mas assim que Tony Blair, Gordon Brown e a ministra da saúde Patricia Hewitt se aperceberam que as várias campanhas anti-fumo tinham radicalizado a opinião da quase totalidade dos media, dos 'peritos' e do público, aproveitaram para emprestar o seu poder à voz dos seus deputados das filas traseiras e romperam com o dogma.

A cruzada trabalhista contra a aristocracia é uma história antiga mas foi em tempos mais justa na sua natureza e mais certeira nos alvos. Hoje em dia, o espírito dos tempos ordena a atacar-se tudo aquilo que é considerado um privilégio, e apenas por ser privilégio: também a proibição da prática tradicional da caça deu azo a enorme celeuma e, mesmo sabendo que o inglês médio gosta mais do seu cão do que dos seus filhos, poucos acreditaram na bondade franciscana dos trabalhistas - ainda por cima para com um animal, a raposa, que nas cidades é considerado uma praga, a par das ratazanas.

É só neste contexto que se passa a entender que num país compartimentado em classes mas de tradição liberal o único argumento à invasão de um espaço privado só poderia ser expresso por uma idéia de defesa palatinada dessa ''raposa'' das classes trabalhadoras que é... o barman fumador-passivo.

Os sindicatos, antiga base de apoio dos trabalhistas, adoraram. Os higieno-fascistas do Action on Smoking and Health, ASH, aplaudiram de pé. A middle class, a quem ninguém oferece um cigarro, enbandeirou em arco pírrico.
Mas dos barmen, ingratos, ninguém ouviu um pio. Por que será?

1 comentário:

Aardvark disse...

Muito bem. Aplaudo de pé a tua posta.