sábado, fevereiro 18, 2006

A história desde 11 de Setembro de 2001

O início da nova história:
A nossa percepção do mundo mudou no dia 11 de Setembro de 2001.

A nossa realidade também mudou.

A quase cinco anos de distância já se pode perceber que uma das vítimas do onze de Setembro foi a moral liberal da burguesia e classe média das sociedades ocidentais.

Esta moral era baseada, para crentes e ateus, nos princípios básicos enunciados nos dez mandamentos.

Havia uma noção de certo e de errado. Benevolente, mas havia.

Esta moral teve origem na reforma protestante e no humanismo renascentista.

Esta moral trazia associada uma ética de fidelidade a princípios e de normas de conduta baseadas na filosofia produzida nos últimos 500 anos da história da Europa.

A partir de século 19 esta moral impôs as suas regras à maioria da sociedade.

Ela era popular especialmente entre as classes médias e burguesas, nomeadamente entre os seus membros mais cultos.

Essa moral era idealista e esse idealismo tornou a sociedade Europeia num florão brilhante de cultura e bem estar.

Essa moral acabou a 11 de Setembro de 2001.

Quem viu o último filme de Woody Allen, talvez a sua obra-prima, poderá compreender-me quando eu digo que este é um filme pós 11 de Setembro: na sua amoralidade, no seu retorno à ética feudal de fidelidade pessoal, ética essa que, embora temporáriamente derrotada, nunca desapareceu das relações humanas, nomeadamente do mundo dos negócios.

O 11 de Setembro começou por destruir o idealismo ocidental, destruindo depois a ética liberal.

Só com o tempo é possível percepcionar esta mudança. Ela é obviamente profunda e prefigura um mundo sem os valores da declaração universal dos direitos humanos, do Bill of Rights e da Magna Carta ou da Constituição Americana.

O castigo ou recompensa pelas nossas acções será baseado na avaliação pelos outros da relação custo-benefício daquilo que fazemos e não em princípios morais ou normas de conduta ética.

As moedas destas relações custo-benefício são o dinheiro, o poder e a empatia, mas não a razão, dado que ela não pode ser aplicada se não existe um conjunto de "axiomas" morais básicos e abstractos, comummente aceites, para sustentar as deduções racionais sobre a conformidade de uma dada atitude para com aqueles princípios cumummente aceites.

2. O primeiro erro
O primeiro grande acontecimento que decorreu desta nova realidade foi a invasão do Iraque.

Ela é injustificável de um ponto de vista de princípios morais: Sadam era um ditador mas ele há por aí muitos e nunca se fez a guerra meramente para derrotar ditadores.

Ela prefigurou um colossal erro de avaliação, só comparável aos acordos de Munique, desta vez por excesso de força e não por défice.
Não havia armas de destruição massiva e os propagandistas só não foram as maiores vítimas deles próprios porque houve uma guerra mas eles quase nunca estiveram entre os que morreram.
A Al-Qaeda não estava no Iraque mas agora está.

Fica a questão do livre acesso ao petróleo, a contenção do Irão e a utilização do Iraque como isco para os movimentos terroristas, numa tentativa de manobra de diversão.

3. Livre acesso ao petróleo
É importante dizer que este ponto não é menosprezável.
O facto de se ter feito uma invasão desavergonhada e completamente ilegal e ilegítima apenas reforça a noção que se deve ter da importância da questão.
Que a certa altura esta invasão tenha sido imensamente popular, demonstra como a moral burguesa enfraqueceu após o 11 de Setembro.
Que a invasão tenha fracassado miseravelmente mostra bem a dificuldade que existe hoje em dia para fazer uma avaliação correcta da situação, até para a multidão de burocratas competentes da mais competente potência do mundo.
Esta ideia é simplesmente assustadora e aqui chega-se a uma situação de paranóia maior do que aquela que se seguiu ao início da convivência com o nuclear, durante os anos 50 do século XX.

Este acesso poderia ter sido conseguido por outros meios, mas esta opção é a que dá mais lucros ao cluster de poder mais forte e rico que existe hoje em dia: as empresas privadas da defesa, petróleo, energia e segurança.

E não se esqueçam que estes sectores não sofrem com os efeitos deslocalizadores da globalização.
Percebem a ideia?? O quão poderosos eles são? O quão sinistros?

Mas voltemos ás outras supostas justificações da invasão:

A manobra de diversão: pensava-se que o Iraque se ia tornar um chamariz para os terroristas, tal como se tornou, desviando-os do Ocidente. Mas por algum motivo absurdo, imaginou-se que a dita invasão não ia criarum número ainda maior de terroristas de tal modo que o deve e haver de terroristas diminuiria ao contrário de aumentar. Talvez isto se tenha verificado a curto prazo mas a longo prazo tal realidade acabará por se modificar.

Para além disso, imaginou-se, vá-se lá saber porquê ( talvez por os veteranos do Vietname já terem abandonado o Pentágono ), que a guerrilha seria muito menos eficaz.

Outro erro de avaliação. E o pior é que agora têm de lá ficar. You broke it, you fix it.

A contenção do Irão: É também assustador ver que se pensou que se ia conter o Irão, invadindo o Iraque. Como se demonstra, foi o contrário que sucedeu. O complexo de cerco aumentou a paranóia dos religiosos Iranianos e o pior é que a paranóia é justificada.

É óbvio que a situação é óptima para quem quer pôr a pata no petróleo Iraniano, depois de mais uns anos de petróleo a preço ainda mais alto ( por causa da guerra com o Irão ).

O pior é que não há tropas para invadir o Irão, que é um osso duro de roer e as opiniões públicas não aceitariam nova guerra. Por causa do medo apenas.

4.As caricaturas
As caricaturas provocaram uma modificação no equlíbrio de forças interno nos países ocidentais. Pelo menos em termos de opiniões públicas.

Opinadores separados pela guerra juntaram-se em favor da liberdade de expressão. Defensores fanáticos da invasão juntaram-se a críticos acérrimos em manifestações de apoio ao povo Dinamarquês.

Mas será que têm a força do lado deles?

Os orquestradores da invasão do Iraque têm estado calados e impediram a publicação das caricaturas nos seus países de origem. Veêm-se agora apoiados pela Esquerda das chamuças e dos bazares no meio de Paris. Serão estas duas faces da mesma moeda? Tal como os anteriores?

Não será que as caricaturas perfiguraram uma divisão liberdade versus autoridade, ao invés de direita vezes esquerda?

Juntaram-se os liberais de todos os quadrantes e juntaram-se os poderosos e os anti-poder, que são por sua vez um alter ego do poder discricionário e só com ele podem sobreviver ( fazendo uma boa vida de chamuças e copos nos bazares de Paris ).

Esta segunda combinação é perigosa e infelizmente parece ser ganhadora. Sinal dos tempos...

Quem estará por trás das caricaturas? Serão apenas os governos muçulmanos?

Ou serão os governos em geral? Mais uma vez? Em direcção ao totalitarismo?

Que acham de uma Europa totalitária, governada por uma elite Cristã/ateia, mas com uma enormidade de súbditos, muçulmanos e outros, obedientes, reprimidos, sem veleidades liberais ou democráticas?

A mim parece-me um paraíso para os negócios e o capitalismo. Até a ausência de liberdade conseguir destruir a criatividade e o progresso científico.

Mas, à boa maneira capitalista, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Mas aí, talvez aqueles já não sejam necessários.

3 comentários:

Anónimo disse...

começo por fazer um bocadinho de inveja: vim ler o vosso blog a comer o resto do jantar que dei em casa (bacalhau com coentros) e a beber mais um copo de tintol (um belo vinha paz de 2003).
posto isto, e já que sou a única a submeter-me às consequências da verdade (já agora, os meninos perderam o acento agudo do teclado?) comento a breve referência ao match point no que se refere à ausência de justiça no mundo em geral e de alguns em particular.

tive pena de verificar que o filme que fui ver com tanta expectativa era apenas mais uma revisitação do crime e castigo (nada de novo nas preocupações do Allen) cruzado com o filme de há 10 anos atrás do mesmo senhor, o crimes and misdemeanors. A única coisa que trouxe de novo foi aquela angustia entre o momento em que se percebe que se tem de tomar uma decisão e a altura em que ela se concretiza, cujos tempos e detalhes o senhor muito bem apanhou. de resto, apesar de cairem da tripeça comparados com estes modelos CK, preferi o Martin Landau e a Angelica Houston.

quanto à ausencia de justiça cósmica para tanta gente, apenas me lembro do Hitchcook. O crime perfeito é cometido todos os dias, só que como é perfeito não é descoberto.

a amoralidade sempre existiu, só que talvez agora seja considerada um mal necessário. No outro dia uma amiga minha lembrou-me o quão baixo descemos que até já consideramos como qualidade a apontar a boa educação, quando antes era um dado adquirido. O que se aplica também à história do telemóvel perdido. Uma vez encontrei um, liguei para o ultimo numero marcado para que o dono o viesse buscar, e deviam ter visto a cara de espanto por verem devolvido um telefone ultima geração.

Viva o direito à indignação, viva viva!!

dorean paxorales disse...

:))

O acento agudo esta' o'ptimo, o grave e' que se sente mal de vez em quando!

dorean paxorales disse...

e olha que te falhou algures o circunflexo... ;)