quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Voluntários


Uma das grandes revoluções da Grande Guerra resultou directamente da necessidade de mobilização de cidadãos para as frentes de combate. Até então, e em especial fora do seu torrão nacional, os poucos estados democráticos existentes guerreavam-se impunemente uma vez que as baixas que se viessem a assinalar pouca influência teriam na opinião pública que os governos de antanho legitimamente representavam. O soldado profissional e os mercenários contratados a países terceiros eram os únicos participantes dos conflitos: a sua morte no campo de batalha era visto pelos próprios como uma forma de vida e pelo público como um aborrecimento.
Num mundo ainda fechado em alianças intracontinentais e colónias ultramarinas, a guerra era um espectáculo de bancada (ou um jogo de futebol, na hipótese de Freitas do Amaral) em que os gladiadores alugavam o corpo para benefício de populações indiferentes ao seu destino.

Após a Primeira Guerra Mundial tudo isto mudou. Os governos dos países envolvidos, convencidos ou não da possibilidade de uma nova guerra, mantiveram a estrutura militar que haviam criado. Acabaram mais tarde, e infelizmente, por verem as piores expectativas confirmadas mas agora isto significava que os seus exércitos passavam a exigir o sacrifício dos mesmos que decidiam a participação num conflito.

Pese embora julgada por todos justa, a Segunda Guerra deixou poucas saudades à geração que nela se viu envolvida. Com as guerras coloniais europeias e americanas do pós-guerra foi dada a machadada final: a partir dos anos 60, as sociedades ocidentais foram progressivamente duvidando da razoabilidade do esforço a que estavam obrigadas, dúvidas que só aumentavam em tempo de paz dada a indisponibilidade geral para o serviço militar e o hedonismo embebido na sua nova cultura.

Enquanto as estruturas militares não foram reformadas e a tecnologia não o permitiu, este conflito estado-nação perdurou. Mas assim que foi possível, os vários governos ocidentais não hesitaram em eliminar o serviço militar obrigatório, num retrocesso civilizacional de quase 100 anos.
O povo eleitor e os 'jovens' aplaudiram alegremente. E nos países onde o fim do SMO ainda não tinha ocorrido, tal era considerado sinal definitivo de atraso, de terceiro-mundismo (entre nós, de 'fascismo'). Afinal, deixar a juventude gozar a vida e poupar dinheiro ao orçamento só podia ser visto como decisão de uma sociedade desenvolvida e moderna.
E os estados, não mais reféns do voto, livraram-se assim dessa maçada que era a responsabilidade de justificar os seus intuitos militares.

Com isto, as forças armadas 'engrossaram as suas fileiras' de novo com aqueles para quem a guerra é uma forma de vida, a missão um posto de trabalho, a luta uma tarefa a cumprir.

As consequências estão à vista: as potências com exército profissional banalizaram a intervenção armada. De novo, a opinião do público quanto à justeza ou oportunidade de uma guerra tornou-se dispensável. O conflito é lá longe, o inimigo é obscuro, a sorte do soldado de sua responsabilidade.
Abdicando da cidadania pelo conforto do sofá resta agora aos cidadãos assistirem com enfado às tropelias dos 'seus' rapazes contadas por quem de direito.
Nada lhes foi pedido, com nada contribuiram. Acreditam que assim também nenhuma responsabilidade lhes será atribuida, não compreendendo por isso que, lá longe, os obscuros os comecem a odiar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo inteiramente.

Aliás, não é à toa que os países que conservam o SMO são os mais democráticos que existem hoje em dia:

Suíça, Finlândia, Noruega, Suécia e mesmo Israel.