sábado, fevereiro 11, 2006

A concelho do urânio

Em tempos idos, a Vila de Senhorim era sede de conselho. A páginas tantas, e pelas mesmas razões que, ao longo de 600 anos, também justificaram a perda da edilidade em tantas outras vilas, Senhorim fundiu-se com Vilar Seco e desapareceu do mapa político, sem que dos confins dos tempos tenha a nós chegado o eco de um queixume de uns ou de outros.

Até aqui nada de novo.

Os anos passam e eis que, a 10km daquela vila, numa outra chamada Canas de Senhorim, um movimento local reclama a ''devolução'' do ''seu'' conselho por ''razões históricas'', como se isto de poder local fosse uma herança de avó torta e para a receber bastasse pagar ao notário.

O certo é que, quando a multidão ululante se levanta perante as câmeras de televisão, aquilo que passa na cabeça de 99% da população portuguesa é a incredulidade, pois o vulgar cidadão não entende que se faça tanto barulho por bairrismo.
E, como sempre, tem razão.

Há vinte anos, Canas era uma zona industrial com duas grandes empresas, uma delas a Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos, que empregavam largas centenas de operários. Entretanto, as empresas fecharam, os empregos foram-se, e com eles a prosperidade da vila.

Hoje, quem conhece a realidade do poder local sabe que o que não falta por aí são concelhos desertificados e sem futuro, em que meia-dúzia de vereadores paracem ter como único objectivo pôr todos os seus munícipes a trabalhar para a câmara. Assim poderia parecer também ser esta a grande motivação para tanto barulho: se não há quem invista de boa-vontade, a administração local é a panaceia que ajuda a desviar umas coroas do orçamento.

Mas uma dúvida imediatamente se coloca: se assim fosse realmente tão simples, teriamos populares aos berros em centenas de localidades diferentes por todo o país e seria impossível eleger presidentes ou parlamentos dada a quantidade de boicotes às eleições que certamente haveria.

De facto, há algo que torna Canas de Senhorim um caso singular e nada tem que vêr com duvidosos pergaminhos de autarquia: com a questão nuclear de novo em debate outros valores se alevantam, e não seria de espantar que por detrás destas manifestações populares não se escondessem interesses menos sérios. Afinal, convém não esquecer que a outra grande empresa que desapareceu daquela terra era nada mais nada menos que a ENU - Minas da Urgeiriça.

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