(G)RÊVE GÉNÉRALE
A Sorbonne fechou os seus portões após semanas de protestos que resultaram em danos à universidade avaliados em 1 milhão de euros.
Furioso, o seu presidente chamou aos estudantes que se manifestam contra o Contrat Première Embauche, CPE, "estúpidos e ignorantes". Justificando-se, Jean-Robert Pitte disse que os jovens franceses de agora não tinham sonhos mas ilusões: "sonhar é querer cumprir um objectivo difícil, é tentar vencer um desafio. Estes estudantes acreditam que têm direito inerente a tudo e se as coisas não lhes correm de feição então acham que a culpa só pode ser dos outros."
"Correr-lhes de feição" ali, significa a garantia de um emprego no fim do curso, por menor que seja a relevância dos currículos para o mercado de trabalho.
Tal como em França, todos os anos milhares de portugueses ingressam em licenciaturas estéreis, tendo sido a criação de muitas um efeito secundário da lei da autonomia universitária. Mas ao contrário dos seus colegas franceses, durante longuíssimos cinco anos a grande maioria destas cabeças não perderá muito tempo com detalhes destes. Ser estudante universitário é, antes de mais, um estatuto e porquanto os seus detentores consideram-se acima da coisa mundana (excepção feita para quem está em cursos de cariz pedagógico, naturalmente). (1)
Mas este estado transitório de elitismo não é a única causa da despreocupação. Apesar das semelhanças dos sistemas de ensino e de alguma mentalidade vigente há um outro factor em jogo que faz toda a diferença: a empregabilidade dos recém-licenciados.
Salvaguardas feitas, não é mais fácil encontrar empregadores em Portugal que em França mas aqui (como em boa parte do mundo), quando eles existem, dão preferência precisamente aos jovens: são mais entusiastas; mais adaptáveis; mais enérgicos; mais dispostos a sacrifícios; mais ambiciosos; mais baratos. E, sobretudo, mais fáceis de moldar na cultura da empresa.
Por que é que isto não acontece em França? A resposta não está directamente no desemprego juvenil mas naquilo que impede a sua diminuição: a inviolabilidade do emprego sénior que impede a abertura de vagas nos serviços público e promove a retracção na indústria.
A flexibilidade proposta por de Villepin para o despedimento de jovens trabalhadores vem tentar contornar as dificuldades de despedimento daqueles que já estão empregados há largos anos. Apesar das aparências, o CPE é uma medida que pretende ainda manter um sistema social que todos sabem ser insustentável mas que ninguém se atreve a destruir.
Para tanto, sacrificam quem cresceu pensando que também um dia teria acesso às mesmas garantias de emprego vitalício. Isto é, não se querendo correr o risco de provocar os privilegiados, ataca-se quem nada tem para defender com esperança que, entre mortos e feridos, alguns sobrevivam aos tais dois anos de provação (2).
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(1) Poderiamos dizer que em Portugal o sonho, se calhar por ser precoce, nem é um emprego. A ilusão começa logo findo o secundário como se pôde constatar com as manifestações que exigiam o fim da nota mínima de acesso à faculdade (!).
(2) Período agora reduzido a apenas um ano por proposta de Chirac, que é o mesmo que dizer "duas vezes o período normal de experimentação" durante o qual tanto empregador como empregado têm o direito de rescindir o contrato sem justa causa; dificilmente se compreende porque não foi imediatamente aceite...
4 comentários:
Considerando as expectativas de declínio de qualidade de vida que são quase certas, apesar das empresas continuarem a ter lucros cada vez maiores, porque é que eles hão de aceitar perder privilégios em troca de rigorosamente nada quando quem tem mais tem cada vez mais privilégios?
Como disse o Daniel Oliveira, estes jovens são muito melhores que os seus antepassados de 68 e têm muito mais razões para se manifestarem.
Quanto aos resultados das provocações dos serviços secretos e da polícia, deixa-se enganar quem quer.
A rua já derrotou a tentativa de reforma. O futuro dir-nos-á quem ganhou ou se perderam todos.
Diz Aardvark "(...) porque é que eles hão de aceitar perder privilégios em troca de rigorosamente nada (...)"
Que privilégios? O de não conseguir um primeiro emprego?
O erro de muitos é comparar o desemprego jovem francesa à dos outros países. Pelos números e pela praxis, não são comparáveis.
A aparente brutalidade da proposta Villepin pretendia resolver uma situação extraordinária e incaracterística no imediato que é um dos resultados actuais da lei laboral mais inflexível do espaço europeu.
Mas sobre flexibilidade talvez venha a dizer mais outro dia..
maloud,
seria necessário entender o que se perde: emprego para todos a todo o custo; emprego para alguns à custa do emprego de outros; as pensões de todos à custa de alguns; ou ainda os tais lucros que Chirac tenta manter em mãos nacionais à custa do mercado interno.
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