sábado, abril 01, 2006

Armários, gavetas e etiquetas

É comum as pessoas correrem a classificar os outros quando ouvem destes uma opinião de que discordam.

Principalmente se essa opinião de alguma forma vai contra a ortodoxia do momento.

A etiquetação, engavetamento, ou arrumação, é uma forma de preguiça mental, que serve para afastarmos quaisquer dúvidas que a "heresia" faça surgir na nossa mente, de outra forma descansada e afastada de angústias existenciais, prejudiciais à saúde, nomeadamente ao coração e ao colesterol, para não falar das temidas depressões. ( Ai, as frases longas )

Ao etiquetarmos alguém, baseados numa ideia exposta, estamos, claro, a fazer uma generalização abusiva mas o principal efeito da etiquetação é a descredibilização do outro e a criação de um alvo fácil, que permite, a partir daí, a recusa de qualquer ideia proveniente da fonte etiquetada.

Independentemente da validade da ideia.

Quantas vezes não ouvimos frases como "Fulano diz isto mas ele é não sei o quê?" ( e não apenas no "Gato Fedorento" )?

Mas a eficácia da criação de "alvos" permitida pelo engavetamento não deve ser, de forma alguma, menosprezada.

No século XX, o engavetamento foi usado de forma contrária para criar formas de identificação com um grupo: os fascistas, nazis e comunistas foram especialistas nesta práctica.

Como se sabe, a coisa passou de moda e agora, grupos com intenções semelhantes usam a estratégia contrária.

Assim, fala-se dos "neo-conservadores" mas nenhum neo-conservador se admite como tal. A admissão do nome implicava a criação de um alvo e a própria organização da estrutura, como aliás, das modernas estruturas terroristas, não é rígida nem hierárquica mas funciona antes, em regime de "franchising", embora sem um nome associado, porque a intenção é, neste caso, dificultar o reconhecimento.

O franchising neo-conservador, que infiltrou ( tal como dos outros, Portugal não precisa destes submarinos que, ainda por cima, tal como os antigos, não submergem ), por exemplo, a comissão eleitoral de Aníbal Silva, ou o franchising da Al-Qaeda, são dois exemplos deste "pós-modernismo".

Por outro lado, vemos muita gente de esquerda a desistir de "salvar o mundo" mas a aceitar o engavetamento em "causas", a que eu chamarei "parciais", de melhoria da sociedade:

Protecção dos animais
Condição feminina
Amamentação natural
Direitos dos homossexuais, etc.
Outras "causas" e questões "fracturantes"

O poder, embevecido, agradece. Assim divididos, são mais fáceis de ser utilizados quando convém e dejectados quando não interessa.

Tudo isto passa essencialmente por um processo de simplificação da linguagem, suportado pelos media e baseado no declínio da popularidade da expressão escrita.

Houve um escritor do século XX que descreveu, com grande poder de antecipação, a eficácia deste processo : George Orwell, no seu "1984".

Um homem comum, como o etiquetou um dia, numa mistura de desdém e admiração, um simpático "facho" que anda por aí a escrever colunas em jornais e revistas em vez de administrar ( tachar ) as empresas da família.

Goddard seguiu Orwell, no seu "Farenheit 451".

Enfim, comida para pensar.

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