quarta-feira, janeiro 07, 2009

bokhim ve-yorim

É uma expressão hebraica que significa "chorando e disparando" e que traduz em duas palavras a táctica de vitimização a que Israel nos habituou sempre que parte para a guerra. É a mesma táctica que vejo ser usada em vários blogues, nos comentários aos posts contra a guerra: "lá está você a ser anti-semita..."

Israel afirma que a actual ofensiva visa defender o seu território contra os ataques de rockets do Hamas, mas em direito a legitima defesa deve obedecer à regra da proporcionalidade. Não podemos responder a uma chapada com um esfaqueamento, a um murro com um tiro.

Israel nem sequer usa a táctica do "olho por olho, dente por dente", no caso da ofensiva em Gaza modificou-se a expressão para "olho por ambos-olhos, dente por dentadura/boca/e-todo-o-sistema-digestivo".
Entre 2005 e 2007, os rockets do Hamas mataram 11 israelitas. No mesmo período, as bombas de Israel mataram 1290 palestinianos (destes 222 eram crianças).

Mas Israel está a fazer todos os possíveis para que esta seja a última ofensiva militar na Palestina.
Sim. É provavelmente o fim da história para a Palestina. Estamos a um passo da solução prevista pela Mossad nos planos da "Operação Cast Lead" elaborada por Meir Dagan , actual chefe da Mossad (Barak Ravid - Operation Cast Lead ": Israeli Air Force strike followed months of planning , Haaretz , 27 de Dezembro, 2008).

O plano, criado antes de 2001 com o objectivo de afastar Arafat, mantêm-se em vigor. Alguns dos passos intermédios já foram dados (separação da Palestina em duas zonas distintas, com governos diferentes e negociações separadas com ambos - Le Monde, 17 de Dezembro, 2001).

A retirada dos judeus dos colonatos de Gaza antecipou a construção do muro à volta da faixa, transformando-a naquilo que é hoje: um campo de concentração. Teria Israel construído o muro com colonatos dentro?
Seguiu-se o bloqueio a Gaza, impedindo o comércio, impossibilitando o funcionamento de todas as infra-estruturas, enfim, tornando a vida no gueto num inferno.

A "trégua" (coloco a palavra entre aspas porque não havia nenhuma trégua oficial uma vez que o governo do Hamas nunca foi reconhecido oficialmente quer por Israel quer pelos EUA) foi quebrada no dia 4 de Novembro, dia das eleições americanas. Israel bombardeou a faixa de Gaza declarando que o fazia para impedir a construção de túneis.
No dia 5 começou o cerco e o corte no abastecimento de alimentos e medicamentos. Simultaneamente ocorreram incursões armadas (Gaza truce broken as Israeli raid kills six Hamas gunmen - The Guardian , 5 de Novembro 2008).

Aos palestinianos restará, por fim, o êxodo. Quando a vida se tornar absolutamente inviável em Gaza, Israel abrirá o cerco e deixará sair o que restar da população civil. Uma limpeza étnica, portanto. Há algum outro nome a dar-lhe?

Resta dizer que na Cijordânia as negociações não têm trazido nada de novo aos Palestinianos, embora o Governo de Habbas seja da simpatia de Israel e dos EUA. Os colonatos continuam a ser construídos (doze mil israelitas na margem esquerda substituíram os oito mil que saíram de Gaza) e os postos de controle do exército não foram desmantelados, cortando em pedaços o território e retirando qualquer autonomia aos seus habitantes.
Mahmud Habbas tem sofrido humilhação sobre humilhação e já não lhe resta nenhuma credibilidade junto dos seus.

Acaba assim a história de um povo traído pelos seus líderes (corruptos ou fanáticos religiosos), pelo mundo árabe em geral: os que se manifestam hoje no Líbano esqueceram por certo que foram as milícias cristãs que executaram os massacres de Sabra e Shatila e ninguém foi julgado, e que os Palestinianos refugiados no Líbano vivem virtualmente presos em campos.
Traídos, por fim, pelo Ocidente dos Direitos Humanos.

5 comentários:

dorean paxorales disse...

Alguns factos essenciais para a manutenção desta guerra de doidos são frequentemente omitidos por serem vistos como menores no contexto global. Outro é que complicam o maniqueísmo. Por isto mesmo, trazê-los para apreciação não deve ser visto como uma desculpabilização de Israel.

Por exemplo, em lado algum se imputa intenção de guetização ao Egipto embora este também mantenha a fronteira fechada com Gaza. Com "muro da vergonha" e tudo. Cumplicidade na limpeza étnica, não?

A história das negociações separadas fica para outra altura. Não me parece que seja a mesma coisa que, por hipótese, um diunvirato entre o Sócrates e o Jardim.

luís Vintém disse...

Tentei evitar o maniqueísmo. Para mim, se há dois lados, é o dos que matam e o dos que morrem (e estão de ambos lados da fronteira).
Em ambos lados há gente interessada na guerra (os que lhes dirigem os destinos).
Escrevi os números de mortos, não porque uns sejam mais importantes que outros, mas porque me parece que há uma evidente desproporção que torna inverosímil o discurso de vitima de quem tem as mãos tão sujas de sangue.

O cinismo dos países árabes é revoltante. Limpeza étnica? Sem dúvida! O que aconteceu no Líbano em 82 às mãos dos falangistas foi o quê? Falei das manifestações no Líbano, mas podia ter falado das manifestações noutras ditaduras da região, em que os únicos protestos autorizados são contra Israel ou os EUA.
A demonização de Israel vai de mãos dadas com a suposta defesa da causa da Palestina, mas na altura da verdade, por medo da influencia da Síria e do Irão no Hamas, ou por outra razão qualquer, todos os governos assobiam para o lado.

Anónimo disse...

Continuando assim os palestinianos ainda cabam como os indios da América do Norte, em reservas minusculas para os turistas verem.

dorean paxorales disse...

Boa.
E para que não restem dúvidas, estou a apreciar imenso as tuas postas, quer pela qualidade, quer pela quantidade ;)

luís Vintém disse...

Muito obrigado! :-)