sábado, setembro 08, 2007

A culpa das crianças

O que aconteceu, lembra-me algo que se passou comigo aos 13 anos, e cuja culpa carrego desde esse dia, sentindo ainda uma vergonha estúpida, uma vez que o acontecimento, em si, não teria gravidade alguma se tivesse sido assumido.

Fui passar uma semana a casa de uns tio-avós,muito sérias, muito rigorosas, (...) sentia necessidade de me portar bem.
Havia na casa uma boneca bailarina, um objecto que me chamava a atenção, e que manuseava com cuidado, pois sabia tratar-se de um bibelot de estimação. (...) Sem querer, uma tarde, no quarto de trás,(...) parti ou desloquei um membro à boneca.

(...) Tentei reparar a peça, mas não foi possível. Talvez pudesse ser reparada; creio que sim, mas não por mim. Senti um medo indescritível. Não queria que me ralhassem. Que me desprezassem. Condenassem.

(...) como é que havia de me ver livre daquilo? Olhando à volta, e num curto espaço de tempo, decidi escondê-la num armário embutido na parede, em cima, junto ao tecto, entre colchas e cobertores. Aí deixei a boneca entalada entre panos. Durante o resto das férias vivi assaltada pelo medo de que o meu crime fosse descoberto, e até à morte do meu tio, há uns dez anos, esperei que alguém me falasse na boneca que espatifei.

Tenho a ideia que todos os seres humanos se tornam crianças quando percebem ter cometido falhas muito graves. Têm medo, e o medo torna-os irracionais, maximizando a asneira. Somos todos muito parecidos. Há pessoas más, mas a maior parte de nós é apenas uma pessoa, o que já é demais.


Estranhos bichos, n'O Mundo perfeito
Destacado meu.

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