terça-feira, junho 24, 2008

O Eterno Repouso de mestre Cossery

"Mandriões no Vale Fértil". Assim se chamava o livro. Contava as aventuras de uma família "remediada" que vive algures no Egipto, e cuja paz, tranquilidade e inércia (o pai e os 3 filhos passam o dia a dormir) é abalada pelo súbito desejo do pai em casar, e pela inacreditável tomada de decisão do filho mais novo: quer trabalhar!!

Eu e Albert Cossery foi amor ao primeiro parágrafo. Depois tive que ler o resto da "obra". Com sofreguidão e muito prazer, devo acrescentar.
Oito pequenos livros em 94 anos de vida, que eram os que contava quando deu o último suspiro no quarto do modesto Hotel La Louisiane, em Paris, onde vivia desde 1945. Não tinha quase nada, à imagem dos seus personagens. Era assumida e orgulhosamente preguiçoso. Um biógrafo fez as contas e chegou à conclusão que dividindo a soma das linhas de todos os seus livros pelos dias da sua vida se chegava ao bonito número de uma linha por dia.

Nos seus livros há humor negro (e do outro também), escárnio, ironia, desencanto, alegria, sátira e suspense. Há personagens maravilhosos e quase sempre indigentes (mas muito inteligentes) que vivem num país imaginário do médio oriente reminiscente do Egipto natal de Cossery. "Mendigos e Altivos", como explica o título de um dos livros.

Depois de escrever a última linha, Cossery subiu ao céu onde está sentado à esquerda do Pai (à direita está Bo Didley que como os Mary Chain tão bem sabiam "is Jesus"). Fuma um narguilé e faz chalaças auto-irónicas à volta da expressão "eterno repouso"...
Descansa em paz.



P.S:

Bibliografía (toda e obrigatória):

  • Os Homens Esquecidos de Deus (1940)
  • A Casa da Morte Certa (1944)
  • Mandriões no Vale Fértil (1948)
  • Mendigos e Altivos (1955)
  • A Violência e o Escárnio (1964)
  • Uma Conjura de Saltimbancos (1975)
  • Uma Ambição no Deserto (1984)
  • As Cores da Infâmia (1999)
Estão todos editados na Antígona

2 comentários:

dorean paxorales disse...

Muitas marcas acima da posta do Mexia (*), sim senhor :)


(*)http://estadocivil.blogspot.com/2008/06/elogio-da-preguia.html

pauloduartebarbosa disse...

Belo texto, Luís.

Devias escrever aqui mais vezes.

Tenho de te devolver o "Mendigos e Altivos". Aposto que já não te lembravas...

Abraço.