quinta-feira, agosto 03, 2006

A propósito de números


Paulo Gorjão vem falar aqui da propaganda feita pelos lados em conflito no Líbano à volta da divulgação de números de vítimas, acabando por evidenciar a completa incoerência da opinião pública ocidental na posta seguinte.

De facto, há guerras que dão para o espectáculo televisivo e conversas de café, principalmente quando há potências mediáticas metidas ao barulho. Outros conflitos existirão - alguns dos quais envolvendo os "povos esquecidos" de que falava em tempos o prof. Adriano Moreira - onde, por via da insignificância estratégica ou material, ou por conveniência dos estados, as câmeras não agigantam os mortos e só os próprios choram por aquele terço de crianças.

Por causa das eleições no domingo, vem-me agora à cabeça o antigo Zaire. Podia argumentar-se que a cobertura dada ao longo dos anos aos acontecimentos no Zaire/República 'Democrática' do Congo tem sido mais do que suficiente para a tomada de consciência do público sobre a desumanidade ali reinante.

Para onde quer que se olhe na história do país, os números são impressionantes: só de 1885 a 1908, e enquanto propriedade privada do rei Leopoldo II dos Belgas, dez milhões de congoleses morreram vítimas da exploração colonial.

Mais recentemente, e mesmo já depois da deposição do carniceiro Mobutu, quatro milhões de pessoas viriam a morrer, vítimas das guerras e perseguições em que o país se viu mergulhado entre 1994 até domingo passado.
Isto, só nos últimos dez anos, dá qualquer coisa como dois terços de holocausto nazi (uma unidade de massacre tão válida como qualquer outra) a passar-nos à frente dos olhos na era dos blogues e das guerras em directo. Ao contrário dos 28 mortos de Caná, não chegou para nos impressionar.

No passado dia 30, finalmente, os congoleses foram a votos nas primeiras eleições multi-partidárias de sempre realizadas no seu país. Para trás, espera-se, ficou um dos passados mais sangrentos de qualquer percurso africano em direcção à democracia.

Iguais ao Congo, existem inúmeros conflitos e estados autoritários numa permanente produção de vítimas em boa parte do nosso planeta. Como agora até parece mal não dizer, "muitas delas são crianças". Porque sim, irei tentar neste blogue fazer um esforço despretencioso para lembrá-los, quantificando quando possível as terríveis consequências na "população civil", sem qualquer preocupação de periodicidade ou ordem de putativa importância.

Foto: "Pol Pot's Art", Steeve Gosselin, 2003

2 comentários:

Anónimo disse...

E os relatórios militares chamam a estas mortes "danos colaterais". E quanto vezes os nosso media não papagueiam este termo maldito que faz esquecer o direito internacional humanitário e os direitos humanos...

dorean paxorales disse...

E vão haver mais. A oposição ao norte já anunciou que não repeitará os resultados, quaisquer que sejam, e está pronta a pegar em armas dado que não foi permitido o voto aos refugiados ruandeses sob sua alçada...

Resta saber se quando isso acontecer irá merecer mais que uma nota de rodapé no telejornal.