domingo, fevereiro 03, 2008

E depois da crise

Mais cedo ou mais tarde, os efeitos da crise do subprime vão esbater-se e a economia global vai reequilibrar-se e redistribuir os seus benefícios pelas regiões mais dinâmicas e civilizadas do globo.

Assim o dizem os entusiastas do monetarismo e os arautos do optimismo mercantil, tipo Economist.

Possivelmente assim será. Mas o mundo vai acordar com um equilíbrio de forças diferente. Os EEUU já não vão ser a primeira potência mundial, nem económica ( na verdade, já não o são ), nem militar.

Como bem refere Miguel Monjardino no seu artigo de ontem no Expresso, quem quer que seja o próximo presidente dos Estados Unidos, mesmo o combativo McCain, vai acabar por se concentrar na resolução da crise interna, no combate ao desemprego, na melhoria do sistema de saúde, na recuperação do ensino básico. Estas áreas foram de certa forma menosprezadas pelo governo federal, em detrimento do poder militar e da capacidade de projecção de força, cada vez mais cara, e ela própria um fonte de corrupção e distorções dentro da máquina governamental Americana.

Isso significa que os EEUU vão deixar de ser a grande potência militar mundial passando a ser apenas uma delas.

Para a União Europeia isso pode significar uma oportunidade. Miguel Monjardino insinua que, nestes tempos mais incertos e perigosos, a Europa vai ter de se preocupar mais com a sua defesa do que no passado e lança a dúvida sobre se esta estará à altura.

Vinda de Miguel Monjardino, esta afirmação é o convite à Europa para aprofundar a aliança com os EEUU ao ponto em que, tal como o Reino Unido, a Europa não põe em causa as decisões Americanas e participa activamente na sua concretização. My Alliance, right or wrong.

Não vou dissertar sobre a filosofia subjacente. Vou apresentar uma proposta alternativa que tenho a certeza não ser uma possibilidade avaliada apenas por mim.

Se o BCE se mantiver firme e não descer as taxas de juro, ou as descer muito pouco, o Euro poderá emergir desta crise como a moeda franca das economias, tomando o lugar do dólar.
É óbvio que, no curto prazo, essa política vai acarretar custos económicos e sociais. Mas, a mais largo prazo, a Europa poderá surgir como uma Suíça em larga escala, com as consequentes vantagens económicas subjacentes.

Essa hipótese implica a manutenção de algum distanciamento em relação aos EEUU, sempre que necessário.

Mas não elimina o aumento da responsabilidade Europeia na sua própria defesa, antes o intensifica, tal qual como acontece com a Suíça, altamente armada.

Quando sairmos da crise actual, o controle a economia mundial terá em grande parte passado dos EEUU para a China, os países do Golfo, a Rússia, os pequenos tigres asiáticos, etc. Todas as economias com superavit vão agora conquistar o poder de decisão a que têm direito.

Aquilo que me afasta das análises do mercantilismo optimista do Economist é que eu não penso que as consequências políticas dessa alteração do equilíbrio do poder sejam nulas. Ou que sejam irrelevantes. Ou que sejam boas.

A democracia vulgarizou-se no mundo em virtude dos EEUU serem uma democracia. Mesmo na Europa isso assim foi.

Os países que vão ascender agora ao poder na economia não o são. Inevitavelmente a popularidade da democracia vai diminuir. Em parte vítima de si própria e da sua propaganda auto-destrutiva, a democracia tem cada vez menos o apreço dos povos que nela vivem e cada vez mais membros da intelectualidade monetarista surgem a defender sem qualquer vergonha os modelos políticos ditos "musculados" como o de Singapura.

Vale a pena também comentar esse tipo de ideias, depois de dizer que toda a política externa Europeia deve ser orientada no sentido de libertar a Europa de pressões que a forcem a enveredar por caminhos desse género.

Posso começar por dizer que o monetarismo é o capitalismo especulativo por excelência,que este capitalismo especulativo pouco tem de economia de mercado e que por isso gosta de estados autoritários onde as liberdades políticas não são autorizadas ( as outras são ).

Mas vale a pena também desmontar os argumentos da eficácia da criação de instituições não democráticas como o OMC, a Comissão Europeia, ou outras, por justaposição sobre as instituições democráticas de um país. As vantagens desta justaposição são defendidas, por exemplo,por Fareed Zakaria, Indiano, editor da Newsweek, num libelo de propaganda, por sinal muito mal escrito, chamado O Futuro da Liberdade.

Mostrarei que ele usou a falácia habitual dos propagandistas, nomeadamente os Anglo-Saxónicos: agarrou na conclusão que queria defender e recortou os argumentos de forma a simular que estes demonstram os seus pontos de vista.

Vou nomeadamente desmentir um case-study que ele apresenta como modelo do sucesso da decisão tomada fora das pressões dos organismos democráticos. Espero mostrar assim, acima de tudo, a ligeireza da argumentação, motivada por um desejo de vender aos outros uma ideia conveniente. Finalmente, vou dissecar e pôr a nu qual é verdadeiramente o motivo do desprestígio das democracias: o pouco à vontade com que o capitalismo monetarista lida com a liberdade política e a forma que encontrou para tentar acabar com ela.

Mas será noutra posta porque está já vai longa.

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