Para além da estatística, a literatura.
O livro de Alberto Méndez, publicado em 2004, reúne quatro contos situados no contexto do pós-guerra civil espanhola. O primeiro narra a história insólita de um capitão do campo nacionalista que resolve render-se ao exército republicano no último dia do cerco de Madrid, apesar da eminente derrota dos lealistas. O segundo conta os últimos dias da vida de um casal de jovens republicanos e do seu filho recém-nascido numa gruta das montanhas da Cantábria onde, devido ao inverno, são obrigados a abortar a fuga para França. O terceiro fala de um médico que espera a sentença de morte num calabouço Franquista, e que tenta ganhar tempo de vida contando ao seu "juiz" - um coronel cujo filho foi fuzilado pelos republicanos - histórias tão heróicas quanto falsas sobre os últimos dias de vida do filho. No quarto conto, que dá título ao livro, um homem vive escondido na sua própria casa três anos depois do final da guerra. Ele, a mulher e o filho, tentam sobreviver ao quotidiano cinzento do pós-guerra e iludir vizinhos e autoridades, até que o diácono que dá aulas ao filho se apaixona pela mulher.
Para além das histórias, impressiona o retrato dos cenários, físicos e psicológicos, das narrativas. O quotidiano das cadeias onde se esperava a morte. As mentalidades de vencedores e vencidos. A atmosfera das cidades no pós-guerra.
Em cada um dos contos, Méndez opta por uma estratégia narrativa diferente: a primeira pessoa do diário, a análise dos arquivos da "guardia civil", as cartas da prisão, conseguindo assim mudar o registo literário ao longo de quatro histórias com personagens distintos mas apenas um protagonista, a derrota.
Os personagens e situações são tão verosímeis, apesar de insólitas, que parece que é a própria História que Méndez nos conta. Como se de uma falsa ficção se tratasse. Diz o editor: "Este livro é o regresso às histórias do pós guerra que contaram em voz baixa narradores que não queriam contar histórias mas sim falar dos seus amigos, dos seus familiares desaparecidos, de ausências irreparáveis. São histórias dos tempos de silêncio, quando dava medo que alguém soubesse que sabias. (...) Tudo o que se narra neste livro é verdade, mas nada do que se conta é certo, porque a certeza necessita aquiescência e a aquiescência necessita da estatística."
Alberto Méndez, nascido em 1941, não chegou a ver o seu livro publicado. Faleceu meses antes. O último dos contos foi adaptado ao cinema (com alguma infelicidade, dizem-me) por José Luis Cuerda.
3 comentários:
Descobri que a "Sextante" acaba de publicar o livro em português. Acho a escolha da capa - um cartaz de propaganda republicana da época - um bocado infeliz. Está muito longe do tom e do tema do livro.
http://ler.blogs.sapo.pt/310284.html
não queres republicar isto como posta? valia a pena.
feito ;)
Enviar um comentário