domingo, outubro 08, 2006

A minha primeira república

Houve discussão entre mim e outros no blogue Esquerda Republicana acerca da benevolência da Primeira República. Por ser tão grande, resolvi publicar aqui aquele que espero ser o último comentário ao que me foi dito por lá. Ficam assim também aqui para a posteridade meia-dúzia de factozinhos que ajudam desmistificam alguns dos argumentos que alimentam as visões mais românticas do período que se seguiu à queda da monarquia.

Vamos à biblioteca dos leitores incultos e rápidos. Tenho o cuidado de não citar nada que defenda a monarquia ou que tenha origem na pena de fascistas (e.g., VPV ou Hermano Saraiva).

Segundo a wikipédia, Afonso Costa tentou fazer do PRP o partido único da República. Não admira que outros menos ‘democráticos' tenham preferido constituir os seus próprios partidos. Os jornais que se lhe opõem ou são fechados ou são calados.
No consulado de ‘Mata-frades’ a liberdade religiosa da lei torna-se difícil e perigosa de pôr em prática.
A entrada cita o também conhecido reaccionário Fernando Rosas quando este chama a esse regime de liberdade "a ditadura do partido 'democrático'".

O dr. Afonso Costa é também o mesmo que, em 1912, retira o direito de voto aos chefes de família analfabetos quando 80% da população ainda o era. O sufrágio universal deixa de existir em Portugal ao contrário de países como a Alemanha, Itália, Áustria, Montenegro, Suécia e Suiça. O número de eleitores é agora igual ao existente no tempo da monarquia.

Como exemplo da bonomia sindicalista do regime, em 31 de Janeiro de 1912, forças militares e da carbonária tomam de assalto a União dos Sindicatos. Os presos são enviados para bordo da fragata D. Fernando e do transporte Pêro d'Alenquer e deportados. Os grevistas alcunham Afonso Costa de 'racha-sindicalistas'.

Do talassa www.presidencia.pt vem que Manuel de Arriaga, eleito presidente por colégio em 1911 e deposto ‘democraticamente’ por golpe militar em 1915, havia em 1892 discursado como deputado no parlamento de acerca da "descaracterização da Nacionalidade Portuguesa no regime monárquico", em 1892.' Não conheço o texto mas adivinho-o edificante para as gerações que hoje em dia celebram o humanismo republicano d’antanho.
Pelo meio, depôs o governo do camarada anterior sem consultar o Congresso (senado e deputados) e proibiu os deputados desse partido de entrarem no parlamento. Deu entrada à ditadura de Pimenta de Castro.

A 14 de Maio de 1915 o descontentamento das hostes leva, com toda a legitimidade democrática, alguns barcos de guerra a bombardear Lisboa. Os combates são violentos e os mortos às centenas. O General Pimenta de Castro é preso e substituído por Teófilo Braga.
Quando volta ao poder, Afonso Costa decreta a censura para todas as publicações.

Sigamos para bingo. De Sidónio Pais, outro grande democrata, todos conhecem um pouco. Na biografia de Machado Santos, esse grande reaccionário (o tal herói de uma Rotunda defendida por 400 contra 4000 tropas legalistas - onde estariam os 40 mil carbonários de que falava aqui Gil Gonzaga, não sei), encontra-se a lavrada a seguinte passagem do seu protesto contra Sidónio, na sessão de abertura do Senado, em 3 de Dezembro de 1918:

«...Factos revoltantes como este posso citá-los aos centos e invocar o testemunho dos dez mil e tantos presos políticos que se encontram nas cadeias, com a seguinte nota de culpa: «preso às tantas horas do dia tal pelo agente fulano»...

Mas… 'presos políticos'? Na livre primeira república das justiças sociais?? Calúnias!

Entre 1919 e 23, a fome grassa no país, fecham cinco bancos e as greves e as bombas eclodem diariamente sem que deixem de ter resposta adequadamente musculada. Entre Julho e Setembro de 1919, os ataques dos anarquistas aos comboios e subsequentes descarrilamentos são tantos que o Governo para acabar com a crista coloca um vagão cheio de grevistas à frente da máquina. Sem grandes resultados.

Em 1925, ocupa outra vez a Presidência da República Bernardino Machado e a Liga dos Direitos do Homem protesta contra as deportações sem julgamento.

A ‘segunda’ república faz a sua primeira aparição com o golpe de Costa Gomes mas só se solidifica com o convite feito por todos os partidos a Carmona para que este governe em ditadura. Estavam criadas as condições para o nascimento do Estado Novo.

Por último, uma pergunta de algibeira: qual o político da republicano acima mencionado que trouxe pela primeira vez a eleição presidencial por sufrágio livre, directo e universal e quando é que esta teve lugar?
Pista: houve quem o alcunhasse de ‘rei’ mas também acabou em ditador assassinado.

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