quinta-feira, fevereiro 04, 2010

"Em lances de amor a mentira é um dever."*

"Afonso Costa forçou ainda a entrada de Portugal na I Guerra Mundial (1914-1918). Em dois anos, houve quase tantos mortos como nos treze anos de guerras coloniais entre 1961 e 1974. É com este regime que a nova democracia portuguesa se quer identificar em 2010?"

É o que escreve o historiador Rui Ramos aqui.

Citei-o recentemente numa troca de comentários com o Dorean. Agora arrependo-me.
Ao acusar Afonso Costa de forçar a entrada de Portugal na 1ª Grande Guerra, Rui Ramos ou é ignorante ou está de má fé (enquanto historiador nenhuma das hipóteses lhe fica bem).

Uma das razões para a entrada da Alemanha na guerra foi a tentativa de aumentar a sua influência colonial em África, retirando-a à França, à Bélgica e a Portugal.
O governo português "ignorou" o ataque alemão ao posto fronteiriço de Maziúa, em Agosto de 1914. "Ignorou" entre aspas porque tentou responder (de forma desastrosa, é verdade) aos ataques em solo moçambicano e angolano.
O governo português ignorou, enquanto pôde, a pressão inglesa para que Portugal abandonasse a neutralidade.

Mas o que é que Rui Ramos acha que o governo da República devia fazer quando, em Março de 1916, a Alemanha declarou oficialmente guerra a Portugal? Será que ele acha que a solução teria sido outra caso o regime não tivesse mudado? Ou está só a ser demagogo?


* Ramon de Campoosorio

19 comentários:

dorean paxorales disse...

a alemanha declarou guerra a portugal porque o governo republicano obedeceu às ordens da pérfida albion e aprisionou os navios mercantes alemães em portos nacionais...
foi nessa altura que mudaram o refrão ao hino de "contra os bretões, marchar, marchar" para "contra os canhões (etc)."...

o "forçar" do r.ramos tem que ver com o facto de todo o directório republicano ter feito da retórica anti-britânica a plataforma ideológica para derrubar a monarquia. à altura, e como resultado disto, a maior parte da opinião pública era pró-germânica...

Ricardo Alves disse...

Dorean,
a linha condutora do PRP, do ultimato à participação na guerra de 1914-18, foi a defesa das colónias, em particular Angola e Moçambique. Analisar a questão pelo prisma «anti/pró-britânico» ou «pró/anti-germânico» é não entender o período. Como responderes agora que os republicanos eram colonialistas será também não entenderes a história europeia da primeira metade do século 20.

dorean paxorales disse...

para além da óbvia provocação, a questão do "forçar" tem a ver com a opinião pública da altura, habituada que estava à propaganda do prp.

talvez se o ultimato tivesse acontecido em 1914, a defesa das colónias tivesse colocado os valentões republicanos ao lado da alemanha.

p.s.: acho que, de momento, não fiz qualquer crítica ao colonialismo republicano...

Ricardo Alves disse...

Então mas a opinião pública da altura não era esmagadoramente avessa à República, que foi implantada por dez marcianos desembarcados na Rotunda? ;)

luís Vintém disse...

Em Portugal, Alemanha e Inglaterra eram vistas à época com a mesma desconfiança. Ambas haviam negociado em segredo a partilha das possessões portuguesas em África, quer no final do sec.XIX, quer em vésperas da 1ª Guerra Mundial.

O aprisionamento dos navios mercantes é muito posterior aos ataques aos postos fronteiriços no norte de Moçambique.

A guerra era "não declarada" apenas pelo facto de o cenário ser África. A opinião pública era a favor da defesa das colónias, ainda que reticente quanto a uma expedição europeia.

A intenção do meu post era chamar a atenção para a desonestidade intelectual de Rui Ramos, presente ainda noutra frase do mesmo parágrafo que citei:

"Nas colónias de África, seguiu uma política dura e racista, que em 1915 chegou ao genocídio das populações do sul de Angola"

Como é que o Rui Ramos acha que foi construído o império colonial português? A jogar à sueca e com convites para tomar chá?

Como classificaria Rui Marques, por exemplo, as políticas de Mouzinho de Albuquerque como governador de Lourenço Marques, e as campanhas militares que fizeram dele um herói pátrio?

E que ternura nas palavras do comissário régio António Enes, enviado a Moçambique com a missão de pacificar o território:
"o Estado não deve ter o menor escrúpulo em obrigar e, se necessário for, forçar esses rudes negros da África, esses ignorantes párias, esses semi-idiotas selvagens da Oceânia a trabalhar."

Ricardo Alves disse...

O Rui Ramos tem um enviesamento ideológico muito grande.

dorean paxorales disse...

"O Rui Ramos tem um enviesamento ideológico muito grande."

e tu, não? :))))

dorean paxorales disse...

"A guerra era "não declarada" apenas pelo facto de o cenário ser África. A opinião pública era a favor da defesa das colónias, ainda que reticente quanto a uma expedição europeia."

exactamente. excepto no "reticente". tirando as opiniões de café, ninguém via a utilidade de ir morrer para a longínqua frança, fosse de que lado fosse.

dorean paxorales disse...

luís, sinceramente não entendi a ligação do parágrafo citaste agora para com a desonestidade que anteriormente referiste.

dorean paxorales disse...

"Então mas a opinião pública da altura não era esmagadoramente avessa à República, que foi implantada por dez marcianos desembarcados na Rotunda? ;)"

eheheh... pois, os teus anjinhos não inventaram a anglofobia, apenas se serviram dela.

luís Vintém disse...

A desonestidade intelectual está no facto de RR parecer condenar o "racismo e o genocídio" no sul nas colónias portuguesas como se este fosse um exclusivo da República.
Os valores e a mentalidade do Portugal de então era a mesma, quer falemos de 1914 ou de 1894.
O genocídio de que Rui Ramos fala é a batalha de Môngua contra os cuanhamas. Essa campanha aconteceu porque o Estado Maior temia uma invasão alemã no sul de Angola.

Porque é que a campanha de Mouzinho de Albuquerque e António Enes é um episódio glorioso da nossa história e a do general Pereira d'Eça um vergonhoso genocídio?

dorean paxorales disse...

ok, já percebi o que queres dizer. eu bem que queria ter lido o texto todo que citas mas não encontro o linque.

luís Vintém disse...

O link dá erro? A mim não.
O parágrafo é este:

"A I República foi ainda o primeiro regime a excluir expressamente as mulheres da vida cívica, ao negar-lhes por lei o direito de voto. Nas colónias de África, seguiu uma política dura e racista, que em 1915 chegou ao genocídio das populações do sul de Angola. Afonso Costa forçou ainda a entrada de Portugal na I Guerra Mundial (1914-1918). Em dois anos, houve quase tantos mortos como nos treze anos de guerras coloniais entre 1961 e 1974. É com este regime que a nova democracia portuguesa se quer identificar em 2010?

publicado por João Távora aqui:
http://centenario-republica.blogspot.com/2010/02/republica-e-mulher.html

dorean paxorales disse...

referia-me a um hipotético parágrafo onde rr faria a comparação com o anterior regime.

luís Vintém disse...

Essa comparação não é feita. Mas presumo que, se RR usa este argumento (o do racismo e do genocídio) para atacar a República é porque acha que a Monarquia teria agido de forma diferente. Acho que esse é um argumento falacioso.

Ele até tem razão quando fala de genocídio. Este existiu. Perpetrado por todos os impérios coloniais e de forma continuada. E quase todos eram, à época, monarquias. Mas não lembra a ninguém vir culpar a instituição monárquica, por exemplo, dos crimes arrepiantes de Leopoldo II no Congo.

dorean paxorales disse...

absolutamente de acordo.
igualmente falaciosas as comemorações deste ano (e todos os passados desde 1910), apresentando aquela república como a libertação de uma tirania, um regime impoluto, humanista e justo que finalmente trouxe a liberdade aos portugueses.

propaganda por propaganda, a de rr tem o mérito de remar contra a maré.

Ricardo Alves disse...

Dorean,
o regime implantado em 1910 significou um avanço para:
- os direitos individuais (liberdade de ter uma religião diferente da maioria, estatuto da mulher, estatuto dos filhos «ilegítimos», igualdade entre cidadãos....);
- o pluralismo partidário;
- o incremento do ensino (particularmente o ensino superior).

Entre outras coisitas. Os factos são estes. Os historiadores de extrema-direita têm uma visão diferente, como é evidente. Continua lá a delirar com bandeira que provam conspirações para unir a Ibéria e quejandos, mas farias melhor se estudasses um pouco mais o que dizem os historiadores que não alinham pelo lado monárquico.

dorean paxorales disse...

o pluralismo partidário???
só pode ser piada de mau-gosto.
ou delírio.

Ricardo Alves disse...

Quando é que houve socialistas nos parlamentos pré-1910?