Regresso ao passado
O sr. Passos Coelho tem dado muitos tiros no pé (talvez por isso, este nom-de-plume me soe a personagem de emérito deputado numa novela romântica de fim de século). Nenhum me mereceu comentário, não traz grande glória bater na inexperiência dos outros. Mas esta coisa de invocar a governação de Cavaco, como se de uma idade de ouro se tratasse, tem direito a destaque.
De que cavaquismo fala Passos Coelho? Aquele do qual não me esqueço só poderá ter deixado saudades ao próprio Cavaco e aos que das suas benesses se serviram, incluindo, julgo, este da vã glória de mandar numa juventude partidária.
Foi uma idade de ouro, com certeza, para o PSD porque ganhava, folgado, maiorias absolutas. E foi-o também para o bonapartismo paroquiano do doutor de York.
Nós ficámos com a economia do betão e da promiscuidade entre políticos e empresas - os boys originais -, com as fraudes dos fundos comunitários e concessões de obra, com o "capitalismo popular", com as hipotecas bonificadas pelos contribuintes, com as reprivatizações de encomenda. Com a refundação do clientelismo, o desmantelamento da frotas de pesca e marinha mercante, e o enterro da agricultura por meia dúzia de jipes, campos de golf e caçadas ao javali. Com o estímulo à assimetria litoral, o descarrilamento da ferrovia e a promoção da auto-estrada e do crédito ao consumo. Foram dias de coutos de loureiro e de todos os outros santos, de escândalos de corrupção semana a semana, de meias de turco branco, de derrapagens trilionárias de orçamento e respetivos contorcionismos no tribunal de contas, da invasão de gelados da menorquina e de fruta sensaborona, do estrangulamento da imprensa, do poço que passou a fonte, das marquises espelhadas, dos negócios das OGMA e da OGMA, do fim do ensino superior técnico e começo das licenciaturas inúteis, das universidades de vão de escada - formando gestores e advogados para o desemprego-, das requisições civis em dia de greve, das cargas e mangueiradas policiais, da tecnocracia arrogante, sem ideias nem ciência, dos G-men cinzentões, do moralismo pacóvio, da "televisão da Igreja", de Lynce, Borrego, Isaltino, Cadilhe, Duarte Lima, Costa Freire, Silva Peneda, Braga de Macedo...
Não poderemos nunca saber se, sem o cavaquismo, Portugal teria crescido melhor; naturalmente, tal dependeria de quem estivesse no lugar do então primeiro-ministro. Mas tenho a certeza que abundaram os cortesãos e feitores que cresceram à sua e à nossa conta e que Cavaco não corrigiu muitos dos problemas estruturais de que padecíamos e ainda agora padecemos, apesar - ou por causa - dos muitos milhões de subsídios comunitários com que foi pago para o fazer. Sabemos sim, em absoluto, que a "idade de ouro" de Cavaco foi uma oportunidade perdida.
Finalmente, também estou convencido de que, não fora o cavaquismo, e dado o seu currículo e competências pessoais, o atual líder "social-democrata" teria hoje tarefas mais prementes com que ocupar o seu tempo, em lugar de circular pelo país atirando inanidades destas numa campanha eleitoral. Como, por exemplo, contribuir para o nosso progresso dando aulas não sei de quê num liceu de província qualquer, sob a honestíssima graça de "Pedro Coelho".
3 comentários:
Brilhante Dorean, brilhante!
Infelizmente, os eleitores do PSD têm memória curta e hipocrisia longa.
obrigado...
aproximam-se tempos terríveis
Ao ler estes textos senti-me transportado para os 10 anos de Cavaquismo.
É incrível como se regenera a imagem de um homem em tão pouco tempo, e se transforma um político teimoso, autoritário e insensível, num estadista irrepreensível.
É uma pena que em 2016 já não exista república à qual Sócrates possa candidatar-se. Seria um fortíssimo candidato.
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