domingo, janeiro 06, 2008

Após séculos de barbárie

Uma lei civilizante, europeízante. E não custou nada ao orçamento, pois a ASAE é dedicada e adora o seu trabalho. Finalmente, seremos como os outros.

E, de súbito, o pitbull sorriu ao bebé, o corrupto doou o espólio à Casa Pia, as máfias do Porto entregaram-se à Casa Pia, o aeroporto ficou por metade do preço, a GNR nunca mais bateu em ninguém, os jovens aprenderam matemática com gosto, os gestores instituiram as 40 horas semanais, o futebol passou a ser um desporto, o Pinto da Costa foi degredado para a Somália e o Alberto João declarou a independência dele próprio.

E acabaram-se as telenovelas e o Preço Certo, os malucos do riso e respectivos spin-offs, assim como as ligações directas à queima de suínos putrefactos pelo exército e ao buraco no passeio na Merdaleja de Baixo com direito a opinião de populares.

Nos jornais fez-se jornalismo desinteressado e gratuito, a Bola vendeu menos que o Público, e o povo acorreu aos cinemas monoplex e concertos de jazz e Schümann e teatros construtivistas em geral. Foi possível falar de ciência sem ter que fazer referência a génios dos anos trinta nem à bomba atómica. Um autor publicado na Nature deixou de ter direito a primeira página na imprensa generalista e metade dos colunistas dos semanários foram despedidos por ignorância patente. Fizeram-se edições de bolso de todos os livros publicados há mais de três meses.

Abriram mais escolas de medicina, rompendo o regime de coutada da ordem, e a economia cresceu sem aumentar o consumo. A Banca atingiu mínimos record de lucro após os consumidores terem exigido em bloco o fim das "comissões de gestão". Deixou de ser necessário ter uma licenciatura para se fazer política e quem a tem deixou de ser prefixado com 'dr.'.

Os proprietários rurais cancelaram a venda a conglomerados espanhóis e desataram eles mesmo a plantar oliveiras e vinha e a ganhar dinheiro "de forma sustentada". Deixou de se importar vinho e azeite para vender como vinho e azeite nacional. Bebeu-se menos ou nada na estrada, resultando na descoberta que a faixa da direita não era só para camiões, que o passeio está desenhado para peões e que uma emergência a quatro piscas implica, no mínimo, paragem do motor.

O PS e o PSD assustaram-se com a semelhança das siglas e mudaram-nas. Depois, partiram-se em pequenos partidos de quatro mil eleitores. Os portugueses viram crescer em si uma euforia recicladora e ciclista irreprimível. Os centros comerciais ficaram ainda mais às moscas quando os domingueiros se recusaram a comprar roupa feita em sweat-shops vietnamitas. A IKEA faliu em Portugal.

Os imigrantes mudaram-se para o interior, obrigando à abertura de novas escolas e maternidades e dando trabalho a recém-licenciados úteis. A indústria floresceu à custa de salários altos e, como consequência, as câmaras de província perderam o seu poder de extorsão de votos e cessaram o roubo de património.

Nunca mais um ministro disse ao chinês aquele disparate que se ouviu.

E sobretudo, nunca mais ninguém foi visto em viatura cilindrada a atirar para a rua o pacote vazio de bigmac.



Bem-haja, sr.doutor José Sócrates de Sousa. Se nós soubessemos que bastava não fumar, há muito que seríamos tão civilizados como os europeus. E nem foi preciso gastar um tusto.

5 comentários:

no name disse...

e o cuzinho lavado com água de rosas? :-)

dorean paxorales disse...

ou água-de-laranjas. o cheiro é o mesmo e já tresanda.

Filipe Moura disse...

Caro Dorean, por acaso és professor em Oxford? Eu perguntava-te isso em privado se o teu email fosse público...
Um abraço,
Filipe.

dorean paxorales disse...

O email público, dpaxorales@gmail.com, ainda resultaria numa resposta que mantém o perfil privado.
Mas, para hipótese, não está mal, e os boatos são excelentes diversores.

dorean paxorales disse...

Outro!