O feto e a dor: comentário à dr.ª Jerónima Teixeira
Cara dr. ª Jerónima,
A senhora apresentou-se recentemente ao público português como autoridade na matéria e garantiu que as suas experiências mostraram que um feto com 10 semanas sente dor.
Ora, o feto para sentir dor precisa de uma coisa: sistema nociceptores-cortex cerebral(*) ligado e responsivo antes das ou às 10 semanas.
Acontece que o estudo que eu li não prova nada disto. A senhora mentiu.
Na tal experiência, a senhora, ou um dos outros cinco autores, espeta uma agulha (estímulo mecânico) numa veia do feto e vê se esse organismo produz mais ou menos endorfinas, caso a mesma agulha injecte uma dada droga ou não.
O que a senhora prova, se tanto, é a resposta do organismo a um dado estímulo químico, a droga. Mais nada.
Mas a maior mentira vem logo no início do próprio texto da sua comunicação à... ai, como se chama o jornal?... Anesthesiology, 2001 (não é a Lancet...): a experiência é feita em fetos com 20-35 semanas.
Eu repito: a experiência é feita em fetos com 20-35 semanas. Nem poderia ser de outra maneira pois o cortex não existe às 10 semanas.
Penso que isto seria suficiente para passar um raspanete a um estudante de doutoramento. Mas para alguém na sua posição vir a público resultados científicos inexistentes, o castigo costuma ser bastante pior. E se a senhora cometer o erro de começar a falsear os seus resultados de forma a coincidirem com as suas convicções, então pode correr o risco de vêr barrada a sua actividade de investigação.
Vá lá.
Cumprimentos, juízinho e cabeça fresca.
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(*) os nociceptores são os receptores de dor para os estímulos mecânico, térmico, químico ou eléctrico.
2 comentários:
apoiadíssimo! acho que passa também pelos cientistas fazerem a defesa da sua comunidade, e apontarem sem demoras aqueles ou aquelas que usam o nome da ciência para as suas agendas pessoais e interesses próprios. cientistas que mentem e falsificam resultados, seja em publicações científicas ou nas suas campanhas políticas, não podem ter lugar na ciência, e não se devem poupar esforços para denunciar essas pessoas e barrar as suas actividades de investigação, se for caso disso!
Infelizmente em Portugal, onde não impera o mérito mas sim o nepotismo, as pessoas têm uma certa relutância em denunciar os charlatões. Nunca se sabe o que lhes poderá acontecer no futuro se chatearem o sujeito errado.
Houve algumas reacções num blogue do sim, nomeadamente de Carlos Fiolhais mas, como toda a gente sabe, este é físico...
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