quarta-feira, março 03, 2010

A mediocridade de Henrique Raposo

Escreve o inefável cronista no Expresso online (2 de Março):

I. Numa entrevista ao i, Christopher Hitchens mostra, mais uma vez, que não consegue ou não quer compreender a pulsão religiosa dos homens. Isto porque Hitchens vê na religião uma espécie de fascismo travestido (que bela palavra, dr. Sócrates). Hitchens é daquela família de esquerdistas que deixou de pensar quando o fascismo e o nacionalismo acabaram na Europa. Sem o velho "inimigo" contra quem lutar, este esquerdismo não consegue pensar. Donde nasce a necessidade de transformar a religião numa espécie de fascismo que engana as pessoas com promessas divinas.

Hitchens tem sessenta anos. Quando tinha vinte e cinco, idade de alguma razão, já os fascismos de paixão católica (Franco ou Salazar) tinham morrido. Pelas minhas contas, resta o comunismo.
Por miúdos, o escritor esquerdista é hoje ateísta porque não tem aquela ideologia ateísta contra a qual lutar.
Tudo lógico no pequeno mundo de Henrique Raposo.

II. Além desta ira irracional que lhe tolda o pensamento, Hitchens revela o pecado da preguiça. Quando compara, de forma leviana, a religião ao fascismo, este nosso esquerdista esquece o papel essencial da religião na luta contra os totalitarismos do século XX (quer fascismo, quer comunismo).

Com esta prova da treta, e presumindo que admite a distinção, Raposo esquece o papel essencial do comunismo na luta contra o fascismo e vice-versa... Decerto, estará toldado com alguma falta de racionalidade. Com ou sem ira.

Depois, a suposta "novidade" de Hitchens tem, na verdade, cerca de dois séculos. No século XIX, já havia gente a fazer carreira intelectual através de frases como "a religião envenena tudo". É por isso que mais vale ler os originais, que estão nas bibliotecas sobre o século XIX.

Depois, vem o argumento à café, o "isto já tem barbas" que geralmente serve para insinuar cultura ante a plebe deslumbrada. Sine ratio (eheh), não passa de escatologia.
Segundo Henrique Raposo, Nietzsche, Heidegger, ou Marx vendiam banha-da-cobra mas era da boa porque na altura era original. O próprio, por outro lado, presumo que se liberte do fardo das suas excelsas meditações por necessidade puramente higiénica.

III. Hitchens deve tudo a Deus. Sem Ele, Hitchens não existia intelectualmente. E é por causa deste ateísmo "cool" e preguiçoso que nunca digo que sou ateu. Sou agnóstico. E, como agnóstico, digo que é mais fácil falar com um crente do que com um ateu. Aliás, é impossível dialogar com um ateu. A intolerância, no início do século XXI, aqui na Europa, está do lado dos ateus.


Uma alteração biológica, algures no passado das espécies que nos antecederam, trouxe-nos vantagens determinantes para a nossa propagação. Ao mesmo tempo, tornou-nos, por defeito, em animais capazes de imaginar o sobrenatural. Discutir o que seja desistindo da razão, como faz um crente, é voltar a tempos de sobrevivência incerta e temor dos céus.
Tempos aqueles quando, pelas mesmas razões, pouca tolerância decerto haveria para com intelectuais que pusessem em causa a crença maioritária.

Pelo contrário, quando se trata de identificar uma causa de injustiça e violência - como o é tantas vezes a religião -, e combatê-la sem bombas ou inquisição, a tolerância mora em pouco mais lugares que aqui, na Europa do séc. XXI.

A prova está em um comentador tão medíocre como Henrique Raposo conseguir escrever para um jornal sem que este facto perturbante faça o mesmo descer a pique nas tiragens.

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