segunda-feira, junho 27, 2011

A doutorice não é fado nosso

Eduardo Pitta por causa de Álvaro, o ministro:

Portugal é o único país da Europa, sendo as excepções do vasto mundo o Brasil e Angola, em que toda a gente é tratada por doutor.

Discordo. Em Itália, estatuto social dá direito a doutoramento. De brinde, ainda listam comendas e outros cavaliere, medalhões felizmente menos populares aqui na pátria.

Conheço melhor os germânicos, hierarquizados, onde o uso de títulos académicos está hermeticamente regulamentado mas a obsessão por eles é paixão para escapar a qualquer recalcamento. A ajudar na caricatura, as bizarrias "Doktor Doktor", o qual não é eco mas sim acumulação; e o famoso "Frau Doktor", que se refere a uma senhora quando esta é sua esposa.
Também aqui em tempos fiz menção de um cartão de visita onde se podia ler «Magister Dipl.-Architekt» (em português, Mestre, Diplomada em Arquitetura). Era seguido do nome da empregada de loja que me vendeu a máquina de lavar roupa.

Embora muitas vezes constrangedor, omitir os prefixos continua a ser impensável na, por exemplo, Viena do séc. XXI. Nomes de batismo, só mesmo ao fim do dia e entre proseccos no Engländer.

segunda-feira, junho 20, 2011

Da educação superior

What usually happens in the educational process is that the faculties are dulled, overloaded, stuffed and paralyzed so that by the time most people are mature they have lost their innate capabilities.

Buckminster Fuller

sábado, junho 18, 2011

Cosmopolitanismo de sacristia

Ontem, nas tvs, António Costa respondeu aos críticos da okupação da Avenida da Liberdade pela Sonae dizendo que parolos somos nós, dado que a ideia de um piquenicão com cantores chamados "tony" veio de Paris, onde até se tinha escolhido os Champs Élysées para o efeito.

Serei o único a contorcer-se com a ironia?

terça-feira, junho 07, 2011

Soberania

Há muita gente (a grande maioria das pessoas) que pensa que os bancos centrais são instrumentos dos governos. Dentro da doutrina da separação de poderes que é garante da Democracia, em que lugar encontramos os poderes perante os quais responde, desde há mais de 10 anos, o sr. Vitor Constâncio?

A insustentável leveza

Quando Pedro Passos Coelho diz que não quer ser um peso para os "nossos parceiros europeus", será que é esta a estratégia que tem em mente?
Talvez seja bem pensado. Quando Portugal deixar de existir não será um peso para ninguém.

Regresso ao passado, parte 2: Luís Amado

O objetivo da Comunidade Económica Europeia foi a criação de um espaço económico e social homogéneo, condição achada necessária para a segurança e paz internas e premissa para a independência e desenvolvimento sustentado do bloco. E, por que não, para vivermos todos melhor.

A nossa adesão à comunidade, depois de meio século de corporativismo e dependência colonial, e um decénio de indefinição revolucionária (o que se poderia considerar o nosso «choque socialista»), requeria algum amortecimento aos efeitos da súbita exposição ao mercado comum, composto de economias mais desenvolvidas. Tinham-se pois criado vários mecanismos de adaptação - programas de construção de infra-estruturas e modernização da indústria, fundos participados para o desenvolvimento de competências, apoios ao comércio e subsídios vários de reconversão da agricultura, pescas, turismo, etc.

Infelizmente, a utilização do que deveria ter constituido uma ajuda e uma preparação para o futuro foi completamente subvertida pela máfia local, e com a cumplicidade indiferente da máfia comunitária. O que se passou a seguir é do conhecimento público: por um lado, as potências agrícolas (e piscatórias) europeias, se tanto, estavam mais interessadas em explorar recursos comuns que vir um dia a competir em igualdade com o setor primário nacional (ainda que essa competição se limitasse ao bolo de subsídios); por outro, a burgessia do empresariado português, à boa maneira salazarista, olhou concupiscente para as ajudas comunitárias como uma nova e choruda oportunidade de subvencionar sem esforço o seu próprio enriquecimento.

Sob o consulado e benção de Cavaco, e apesar do relatório Porter encomendado por Mira Amaral, a estratégia da indústria portuguesa baseou-se na redução de custos existentes, encaixe de subsídios e absorção de despesa para as obras públicas de infra-estrutura. A mão-de-obra, apesar dos famosos cursos do Fundo Social Europeu, não deixou de ser barata - e agora até podia ainda ser mais, pela comparticipação associada; a inovação, quando aconteceu, foi limitada ao que poderia baixar custos (informatização, automatação), sendo que a transformação de baixo valor acrescentado continuou a representar o grosso da produção nacional (téxteis, sapatos, cortiça). Os colossos da construção civil, intimamente ligados ao poder, também tiveram aqui a sua génese ou agigantamento, quer por força das auto-estradas e aeroportos determinados por Bruxelas, quer pelas obras de regime (no que foi imitado em menor escala mas com igual entusiasmo pelas autarquias), quer ainda pela espiral descontrolada do crédito à habitação. Estavam criadas as condições para a estagnação futura da economia, assim que a generosidade comunitária acabasse e a união monetária entrasse em vigor.

Dentro dos limites da racionalidade, o «choque liberal» de que fala agora o ex-ministro socialista teria de ter acontecido após a entrada para a C.E.E.. Não foi assim porque nunca as forças vivas da terra tiveram quaisquer anseios liberais, preferindo seguir a tradição nacional de viver à sombra protetora do Estado, na altura já com a vantagem de, em democracia e numa Europa sem fronteiras, não lhe dever nem obediência nem retribuição. O "liberalismo" destes de agora - e muitos serão os mesmos - não será diferente, com a agravante que o nosso Estado está menos autónomo, mais enfraquecido, mais pobre e com menos recursos a pilhar. Não é, por isso, um «choque liberal» aquilo que se anuncia mas sim uma liquidação total.

segunda-feira, junho 06, 2011

Oh yeah

A minha aldeia é o mundo

Acabei de ler no facebook um comentário de alguém ao seu e meu amigo emigrado:

"Estás a gozar? Agora já podes voltar! Agora aquilo que outros fizeram talvez se resolva :D"

Estados Unidos, Islândia, Irlanda, Grécia, Espanha, Itália, Reino Unido, Bélgica, ... Tudo países que o PS e Sócrates, ominipresente e omnipotente, levaram ao vermelho.

Quaisquer resultados de eleições são aceites com desportivismo. Mas o umbiguismo saloio, esse sim, deixa-me muito desanimado. O mundo tornou-se uma grande aldeia mas há portugueses que continuam a acreditar que a sua própria aldeia é que é o mundo.

sábado, junho 04, 2011

Não sei se estão a ver o que isto significa

A Mitsubishi escolheu Portugal para fazer o lançamento europeu da versão comercial do i-MIEV. A marca japonesa procura assim atrair as empresas para a mobilidade eléctrica ao disponibilizar um veículo com 860 litros de capacidade de carga. O preço? 29 mil euros mais IVA.

A experiência ensina-nos que o preço dos produtos para o consumidor final não diminui quando os custos de distribuição descem. Mas, pelo menos, deixa de haver desculpa social para não aumentar brutalmente o preço dos combustíveis e desencorajar o uso do automóvel particular em percursos urbanos.

Lost in translation

Apontando para a televisão, durante uma reportagem sobre a campanha eleitoral:
-Quem é este?
-É o líder do CDS.
-Extrema-esquerda?
-Não! Hum... Democrata-cristãos, dizem-se. Tradicionalistas, parecido com os Conservadores, mas mais à direita.
-Mas então, porque estão sempre a chamar-lhe "Pol Pot"?

sexta-feira, junho 03, 2011

Regresso ao passado

O sr. Passos Coelho tem dado muitos tiros no pé (talvez por isso, este nom-de-plume me soe a personagem de emérito deputado numa novela romântica de fim de século). Nenhum me mereceu comentário, não traz grande glória bater na inexperiência dos outros. Mas esta coisa de invocar a governação de Cavaco, como se de uma idade de ouro se tratasse, tem direito a destaque.

De que cavaquismo fala Passos Coelho? Aquele do qual não me esqueço só poderá ter deixado saudades ao próprio Cavaco e aos que das suas benesses se serviram, incluindo, julgo, este da vã glória de mandar numa juventude partidária.
Foi uma idade de ouro, com certeza, para o PSD porque ganhava, folgado, maiorias absolutas. E foi-o também para o bonapartismo paroquiano do doutor de York.

Nós ficámos com a economia do betão e da promiscuidade entre políticos e empresas - os boys originais -, com as fraudes dos fundos comunitários e concessões de obra, com o "capitalismo popular", com as hipotecas bonificadas pelos contribuintes, com as reprivatizações de encomenda. Com a refundação do clientelismo, o desmantelamento da frotas de pesca e marinha mercante, e o enterro da agricultura por meia dúzia de jipes, campos de golf e caçadas ao javali. Com o estímulo à assimetria litoral, o descarrilamento da ferrovia e a promoção da auto-estrada e do crédito ao consumo. Foram dias de coutos de loureiro e de todos os outros santos, de escândalos de corrupção semana a semana, de meias de turco branco, de derrapagens trilionárias de orçamento e respetivos contorcionismos no tribunal de contas, da invasão de gelados da menorquina e de fruta sensaborona, do estrangulamento da imprensa, do poço que passou a fonte, das marquises espelhadas, dos negócios das OGMA e da OGMA, do fim do ensino superior técnico e começo das licenciaturas inúteis, das universidades de vão de escada - formando gestores e advogados para o desemprego-, das requisições civis em dia de greve, das cargas e mangueiradas policiais, da tecnocracia arrogante, sem ideias nem ciência, dos G-men cinzentões, do moralismo pacóvio, da "televisão da Igreja", de Lynce, Borrego, Isaltino, Cadilhe, Duarte Lima, Costa Freire, Silva Peneda, Braga de Macedo...

Não poderemos nunca saber se, sem o cavaquismo, Portugal teria crescido melhor; naturalmente, tal dependeria de quem estivesse no lugar do então primeiro-ministro. Mas tenho a certeza que abundaram os cortesãos e feitores que cresceram à sua e à nossa conta e que Cavaco não corrigiu muitos dos problemas estruturais de que padecíamos e ainda agora padecemos, apesar - ou por causa - dos muitos milhões de subsídios comunitários com que foi pago para o fazer. Sabemos sim, em absoluto, que a "idade de ouro" de Cavaco foi uma oportunidade perdida.

Finalmente, também estou convencido de que, não fora o cavaquismo, e dado o seu currículo e competências pessoais, o atual líder "social-democrata" teria hoje tarefas mais prementes com que ocupar o seu tempo, em lugar de circular pelo país atirando inanidades destas numa campanha eleitoral. Como, por exemplo, contribuir para o nosso progresso dando aulas não sei de quê num liceu de província qualquer, sob a honestíssima graça de "Pedro Coelho".